A admissão de fraude na Americanas pode contribuir para proteger a rede varejista contra possíveis ações judiciais por danos causados a acionistas. Ontem (13), a varejista divulgou fato relevante em que admite pela primeira vez que um dos maiores escândalos corporativos da história do país não era meramente fruto de “inconsistências contábeis”, como revelado em janeiro, mas resultado de gestão fraudulenta. O valor do rombo pode chegar à casa dos R$ 50 bilhões.
O fato relevante, divulgado um dia após relatório da assessoria jurídica contratada ter sido entregue ao conselho de administração da companhia, ainda nomeia os culpados pelo rombo bilionário. Sem mencionar o trio de maiores acionistas das Lojas Americanas, os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, donos da 3G Capital, o documento nomeia o ex-CEO Miguel Gutierrez, os ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e os ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes de ter participado da fraude.
Segundo o relatório, feito a partir de documentos entregues pelo comitê de investigação independente, houve esforços da diretoria anterior para ocultar do conselho de administração e do mercado a real situação de resultado patrimonial da empresa.
Entre as estratégias usadas para melhorar os resultados operacionais da Americanas, esteve o uso de contratos de verba de propaganda artificialmente criados.
Desde que o rombo foi descoberto em janeiro, investidores das ações da Americanas (AMER3) na carteira viram suas ações derreterem cerca de 90%. Nesta manhã de quarta-feira (14), as ações eram negociadas a R$ 1,25, com alta de 1,62%.
No meio desse imbróglio, muitos acionistas minoritários tentaram processar a companhia pelo prejuízo causado. Segundo reportagem do E-Investidor, há dois caminhos possíveis: via ação civil pública, pela Lei nº 7.913, que dispõe sobre danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários; e via Câmara de Arbitragem.
Mas esses processos não são simples, pois prevalece na Justiça brasileira um entendimento de que a companhia fraudada é a principal afetada. Por sua vez, os acionistas teriam um prejuízo de segundo grau ou indireto, portanto, não faria sentido exigir que a empresa os indenizasse.
“A discussão é justamente essa: quem sofreu um prejuízo diretamente, a empresa ou os investidores? E o entendimento prevalecente atualmente é que a perda direta é da companhia”, explicou ao E-Investidor Marcos Sader, sócio do i2a Advogados. Ou seja, o nó da questão mora na jurisprudência desses casos.
No entanto, a empresa terá de provar que seu compliance (práticas contra fraude e corrupção) estava em pleno funcionamento e que o esquema fraudulento era sofisticado a ponto de o conselho não saber o que estava ocorrendo. A situação muda de figura se ficar provado que a empresa sabia de tudo e não agiu, fosse por omissão ou conluio.
Ontem, em depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Americanas na Câmara dos Deputados, o atual CEO da empresa, Leonardo Coelho, disse haver indícios inclusive de participação das auditorias KPMG e PwC nas irregularidades.
Eduardo Moreira reforça que fraude na Americanas sempre existiu e que CPI deveria coordenar ação coletiva em prol de minoritários
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, comentou na edição desta manhã do ICL Notícias, live diária transmitida pelas redes sociais, que a “principal medida que essa CPI tem que tomar em favor das centenas de milhares de pessoas que tiveram prejuízo com essa fraude é coordenar uma ação coletiva contra os donos da empresa, para exigir ressarcimento e indenização moral pela fraude a que foram expostos”.
Segundo Moreira, o fato relevante contou uma história de que o conselho de administração (leia-se, trio dono da 3G Capital) não sabia da fraude, mas, desde o início, o economista vinha chamando a atenção no ICL Notícias para o rombo na Americanas. “Desde o começo a gente já falava que não era inconsistência contábil – dizíamos que é fraude, roubo”, apontou.
Ele lembrou que o rombo bilionário atingiu até mesmo quem não faz ideia de onde investia. “Até fundos mais simples tinham títulos da Americanas e esse dinheiro foi roubado. Saiu de alguém e foi para alguém. Digo que foi para os acionistas, principalmente os majoritários, que foram beneficiados de duas maneiras: vendendo ação da empresa mais caro do que era na verdade; e em cima de lucros e dividendos”, disse.
Moreira será ouvido na CPI da Americanas. Requerimento dos deputados federais Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Tarcísio Motta (PSOL-RJ), aprovado ontem, pede que ele seja convidado, pois, segundo a parlamentar gaúcha, ele “tem contribuído em várias elaborações no que diz respeito à questão do funcionamento e das más práticas de funcionamento do mercado de capitais brasileiro, como no caso”.
Para ela, é preciso responsabilizar as pessoas que fizeram parte da gestão direta da empresa, e não apenas a varejista que hoje se encontra em recuperação judicial. “Estamos falando de pessoas. Pessoas que fizeram parte de um roubo premeditado, ao que nos parece, sistemático ao longo de, no mínimo, uma década com fraudes sistemáticas nos balancetes e com, infelizmente, uma arquitetura da impunidade que permitiu que isso perdurasse por alguns anos até estourar um escândalo nessas quantias vultuosas”, disse para sustentar a lógica do convite feito ao economista.
Redação ICL Economia
Com informações do E-Investidor Estadão, ICL Notícias e Brasil 247