Em uma reação nada surpreendente, entidades ligadas ao agronegócio se queixaram do resultado da votação do STF (Supremo Tribunal Federal) contra a aplicação da tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas, criada por ruralistas com o objetivo de restringir as demarcações. Ontem (21), o tribunal concluiu a votação por 9 votos a 2 contra o marco temporal, em uma decisão histórica e favorável aos povos indígenas.
Entre as entidades do agro que se manifestaram contrariamente à decisão da corte suprema do país estão a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e a FPA (Frente Parlamentar da Agricultura).
Após a decisão do STF, o presidente da FPA, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), criticou a decisão a jornalistas. “O nosso papel é legislar. O que a gente não pode aceitar, de jeito nenhum, é que o STF ultrapasse o limite dos demais poderes”, afirmou.
A CNA, por sua vez, manifestou-se em nota, na qual afirma que a decisão do STF “terá consequências drásticas” para a atividade agropecuária, “instalando” de forma permanente uma “insegurança jurídica” em todo o país.
“O fim do marco temporal pode expropriar milhares de famílias do campo, que há séculos ocupam suas terras, passando por várias gerações que estão na rotina diária para garantir o alimento que chega à mesa da população brasileira e mundial”, disse a entidade na nota.
A votação do marco temporal, no entanto, não se encerra com a decisão de ontem. Há um aspecto que vai ser apreciado pelo Supremo, que trata da indenização aos proprietários de fazendas sobrepostas a terras indígenas.
Na outra ponta, indígenas respiram aliviados com resultado da votação do marco temporal. Entenda o que está em jogo
O marco temporal previa que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam sendo ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Ou seja, por esse critério, terras não ocupadas por indígenas na data da promulgação de Constituição não poderiam ser demarcadas.
Esse entendimento deriva de uma interpretação literal do artigo 231 da Constituição, que diz: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Contrários a esse entendimento, os indígenas alegavam que não era possível determinar a posse histórica de uma terra só com base em ocupação no dia 5 de outubro de 1988. Isso porque há povos nômades e outros que haviam sido retirados de suas terras pela ditadura militar.
Por essa razão, o resultado da votação do STF foi comemorado por lideranças indígenas que vivem em áreas ameaçadas pelo marco temporal, historicamente marcadas por graves conflitos pela posse da terra do país, com extenso saldo de mortos e feridos.
De um lado, estão fazendeiros e grandes empresas do agronegócio. De outro, indígenas cercados por pistoleiros que viam no julgamento uma esperança de garantir o futuro das próximas gerações.
“Pela primeira vez temos uma reparação de danos depois de 523 anos da chegada de [Pedro Álvares Cabral]. O Supremo foi muito feliz em definir isso. Agora com certeza dá para respirar. É uma vitória do movimento”, afirmou Daniel Vasques, liderança da Aty Guasu, organização que representa os Guarani Kaiowá, ao Brasil de Fato.
Projeto sobre a tese jurídica tramita no Congresso
A luta dos povos indígenas, no entanto, ainda não terminou. Embora declarado inconstitucional no Supremo, o marco temporal segue em tramitação no Congresso Nacional. Por meio de um projeto de lei, a tese foi aprovada na Câmara e deverá ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na próxima quarta-feira (27).
Dinamam Tuxá, da coordenação da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), disse que o desfecho no STF é fruto de uma “luta árdua” de anos, mas enfatiza que a vitória foi “de uma batalha, e não da guerra que travam contra os povos indígenas”.
Além do Senado, os olhos do movimento indígena brasileiro se voltam a pontos polêmicos levantados por dois ministros durante o julgamento do marco temporal: a indenização prévia a fazendeiros e a abertura de terras indígenas a atividades econômicas de grande impacto, como a mineração.
“Esses pontos dos votos do Toffoli e do Alexandre de Moraes nem deveriam estar no âmbito da discussão [do marco temporal], porque o objeto da ação não é esse, o objeto é o marco temporal”, avaliou Dinamam, que é advogado.
A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), que representa os povos do bioma, comemorou o desfecho no STF, mas também se disse preocupada com o avanço do marco temporal no Congresso.
“Ainda temos receio de como os parlamentares podem reconfigurar o debate da tese do marco temporal, mesmo a Suprema Corte a tendo rejeitado. Ademais, o PL em questão viola inúmeros outros direitos através da tentativa de legalização do garimpo em Terras Indígenas e da fragilização dos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato”, escreveu em nota a Coiab.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e dos sites G1 e Brasil de Fato