Em mais uma tentativa de equilibrar as contas públicas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) solicitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a derrubada do teto para precatórios instituído pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e que classifique parte da dívida como despesa financeira, sem esbarrar em regras fiscais. Se a decisão do órgão for favorável, o Executivo poderá quitar imediatamente R$ 95 bilhões de estoque da dívida.
A decisão tomada ontem (25) pelo ministério da Fazenda solicita que a suprema corte julgue que há urgência e imprevisibilidade na situação para que, assim, possa quitar o estoque atual de precatórios não pagos por meio da abertura de crédito extraordinário em 2024, o que retiraria cerca de R$ 95 bilhões do limite de despesa imposto pelo novo arcabouço fiscal (regra fiscal que limita o aumento de gastos do governo).
A Fazenda também pediu que o Supremo permita a retirada desse montante da meta de resultado primário no ano que vem, ano no qual o governo quer zerar o déficit das contas públicas. Essa flexibilização, defende a pasta, é necessária “dada a excepcionalidade do evento em tela”.
Em nota encaminhada ao jornal Valor Econômico, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida, dizem que “o pagamento imediato do estoque de precatórios expedidos e não pagos por meio da abertura de crédito extraordinário cria condições para regularização dos pagamentos sem comprometer o planejamento orçamentário em curso”.
O pedido ao STF foi feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União). Trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade que questiona a validade das emendas constitucionais aprovadas no fim de 2021.
O posicionamento do órgão jurídico busca abrir caminho para a estratégia de Haddad de “despedalar” os precatórios antes de 2027, quando o fim do teto para pagamento dessas dívidas poderia detonar uma bomba fiscal superior a R$ 250 bilhões instituída pelo governo Bolsonaro.
Na prática, o pedido corresponde a uma mudança no tratamento contábil requerida pela AGU, que valeria não só para o estoque, mas também para os precatórios emitidos no futuro. O objetivo é reduzir a pressão sobre o novo arcabouço fiscal, que limita apenas o crescimento de despesas primárias.
Os precatórios são dívidas do governo decorrentes de decisões judiciais sobre as quais não é possível mais recorrer.
Governo queria tratar tema dos precatórios por meio de uma PEC, mas optou pela via judicial por ser mais fácil
A princípio, o governo queria apresentar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema, mas a opção pela via judicial é vista como menos complexa, já que uma PEC precisa do apoio de 308 deputados e 49 senadores para ser aprovada.
Vale lembrar que o posicionamento da AGU agora é muito diferente daquele da época de Bolsonaro, quando a Advocacia-Geral defendeu a constitucionalidade do limite de precatórios. Segundo a AGU, a virada na postura se dá após uma nota técnica conjunta do Tesouro Nacional e da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) apresentar “análise técnica minuciosa sobre o tema”.
A medida, aprovada com o objetivo de abrir espaço no Orçamento de 2022 para turbinar gastos em ano eleitoral por parte do governo Bolsonaro, que perdeu a corrida eleitoral para o presidente Lula, foi apelidada por críticos de “PEC do Calote”.
Até mesmo empresas se beneficiaram de uma brecha na PEC para pagar concessões de aeroportos, multas ambientais e, também, para comprar imóveis da União, reduzindo o caixa do governo. Os valores envolvidos são da ordem de R$ 600 bilhões.
Agora, o argumento central dos técnicos da AGU para a mudança é o de que o novo regime de pagamento de precatórios impõe dificuldades à sustentabilidade fiscal de longo prazo, produz impactos negativos nas estatísticas fiscais, além de trazer efeitos econômicos nocivos indiretos, com reflexos sobre a reputação do país.
“A permanência do atual sistema de pagamento de precatórios tem o potencial de gerar um estoque impagável, o que resultaria na necessidade de nova moratória, intensificando e projetando em um maior período de tempo as violações a direitos fundamentais”, diz a AGU no documento.
A medida da gestão Bolsonaro criava um limite anual para o pagamento de dívidas judiciais. O texto tomou como base o valor repassado a essas sentenças em 2016 e previu sua atualização pela inflação do período.
O montante excedente é adiado para pagamento nos anos seguintes, formando uma espécie de fila de dívidas —que cresce à medida que novos valores surgem a cada ano.
A “pedalada” de Bolsonaro foi usada para que ele pudesse ampliar os gastos sociais, pagando um mínimo de R$ 400 por família no Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família), por exemplo.
O primeiro ano de vigência da nova regra para precatórios foi 2022. Como resultado, o governo adiou R$ 21,9 bilhões em dívidas judiciais. A emenda constitucional diz que o limite vale até o fim de 2026.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias, da Folha de S.Paulo e do Valor Econômico