O setor de mineração brasileiro utiliza 578 bilhões de litros de água outorgados pelo Estado brasileiro sem nenhuma indicação da fonte de origem desse recurso natural. O levantamento, realizado pela ONG (organização não governamental) FASE, aponta total descontrole do uso das bacias hidrográficas do país nessa atividade. O estudo foi divulgado oficialmente na semana passada.
O levantamento mostra que 71% da vazão das águas subterrâneas para o setor não apresenta informação sobre o aquífero de origem, ou seja, de onde é retirada a água usada. Esse descontrole se dá, especialmente, em órgãos estaduais.
A outorga (concessão) para uso de água pode ser dada pela União (para os casos de rios que passam por mais de uma unidade da federação) ou pelos estados (quando o processo envolve rios menores ou águas subterrâneas).
As informações referentes à vazão de água, uso e origem são autodeclaradas e a renovação da permissão, automática.
No caso do controle feito no âmbito da União, os instrumentos são mais rígidos e sistematizados. Apesar disso, o estudo também aponta diversas falhas. Por sua vez, os órgãos estaduais sequer padronizam seus procedimentos.
“O Brasil é o país com mais água do mundo, tem uma riqueza hídrica ímpar, mas o estudo alerta que essa fartura está ameaçada”, disse Maiana Maia, organizadora do levantamento, segundo a Folha de S.Paulo.
No Brasil, a maior parte das outorgas de água é concedida ao agronegócio. Dentro do setor, o estudo da FASE fez o recorte sobre o uso especificado como destinado à irrigação, o mais utilizado e que consome 247 quintilhões de litros de água por hora.
Isso equivale, de acordo com o estudo, a 99 trilhões de piscinas olímpicas por hora ou, considerando os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 174 bilhões de vezes o que é consumido por toda a população brasileira.
Estudo aponta desconhecimento generalizado de órgãos estaduais sobre fontes da água usadas pela mineração
De acordo com o estudo, há um desconhecimento generalizado dos órgãos estaduais de onde saem 578 bilhões de litros de água por ano. “É uma falha enorme, escandalosa”, disse a organizadora.
O estudo mostra que as outorgas concedidas pelos estados respondem por 92,4% das concedidas no país.
A organizadora do levantamento disse que são cada vez mais comuns as crises hídricas em diversos pontos do país, como no oeste da Bahia, no Rio São Francisco, e na Amazônia — que passa por uma histórica seca.
“A gestão pública das águas começa desse lugar da omissão e do favorecimento com a confiança nesses setores, pela autodeclaração da quantidade de águas que eles consomem”, disse. “Temos que colocar o Estado como um dos atores nessa dinâmica de secas”, explicou.
O estudo aponta como problemático o fato de a maioria das outorgas serem dadas à mineração. “Os estados possuem menor capacidade de gestão e fiscalização do uso das águas, além de estarem mais expostos aos interesses econômicos e suas chantagens”, diz o documento.
De acordo com a análise, esses dados são enviados dos estados para um sistema nacional, gerido pela União, sem que essas falhas sejam identificadas ou combatidas.
Na avaliação do estudo, sem a sistematização dos dados fica difícil haver “capacidade na atual gestão pública para concluir de forma segura sobre a real disponibilidade hídrica que oriente critérios de responsabilidade socioambiental nos procedimentos de outorgas de água a empreendimentos hidrointensivos”.
“Estamos falando da privatização das fontes de água”, disse a organizadora.
Procurada pela reportagem da Folha, a ANA (Agência Nacional de Águas) não se manifestou.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo