O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, quer mais autonomia para o Banco Central. Um dos pontos é dar mais autonomia financeira à instituição, sob a justificativa de contratar e reajustar salários de servidores, criando uma espécie de “casta” do serviço público. Para isso, ele está negociando um acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 65/2023, que amplia a autonomia da autarquia.
“A autonomia financeira é um passo no sentido de aprimorar o arcabouço de autonomia do BC”, disse ele, em entrevista à edição da Folha de S.Paulo do sábado (2). Atualmente, ele enfrenta uma paralisação de servidores que tem, inclusive, atrasado a publicação do Boletim Focus, com previsões do mercado financeiro para a economia, às segundas-feiras.
A autonomia do Banco Central foi estabelecida por lei em 2021, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é crítico da medida e é criticado por parte da elite econômica do mercado financeiro por isso.
O fato é que, até aqui, o Banco Central tem sido conduzido por gente vinda do mercado financeiro, com viés neoliberal, como mostram estudos. Imagine essa autonomia ampliada.
Campos Neto foi indicado pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes. O mandato dele acaba em dezembro deste ano.
O presidente do BC já teria começado a articular com o Congresso a aprovação da PEC, o que causou reação entre os membros do governo Lula.
No entanto, segundo informações da Folha, Campos Neto e Haddad teriam voltado a tratar do tema na sexta-feira passada.
“Eu tentei dar conforto para ele, que o BC tem flexibilidade, que a gente pode discutir, que nada vai ser feito à revelia”, disse Campos Neto. “Hoje, mais de 90% dos bancos centrais do mundo que têm autonomia operacional também contam com autonomia financeira. A autonomia financeira é um passo no sentido de aprimorar o arcabouço de autonomia do BC. A PEC foi um trabalho que o BC apoiou. Vários diretores participaram do projeto. Tanto o BC como o Senado estão muito abertos para discutir com o governo”, pontuou Campos Neto.
Ainda segundo Campos Neto, a ideia é que a PEC tenha um texto “que o governo apoie, que o Senado entenda que é um texto bom, e que seja bom para o Banco Central”.
Segundo ele, o avanço da autonomia do Banco Central é uma das recomendações do relatório do FMI.
PEC transforma Banco Central em empresa pública com autonomia financeira
A discussão da PEC vem em um momento em que a autarquia enfrenta uma greve de servidores. À Folha, Campos Neto disse que a instituição estaria “derretendo” para falar do quadro de servidores do banco.
Segundo ele, “tem gente saindo para ir para o mundo privado, teve o movimento tenso, perto da greve [dos servidores], de devolução de [cargos] de comissão. Gente pedindo para ser descomissionado e também para sair”.
Segundo ele, esse movimento tem atrapalhado muito o funcionamento interno do banco.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 65/2023 está tramitando na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal.
A proposta é de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e entrou no apagar das luzes do ano legislativo, em novembro de 2023.
Caso passe na CCJ, onde é relatado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), ela precisará de 49 votos em dois turnos de votação no plenário para ser aprovado. Depois disso, precisará passar por duas votações na Câmara dos Deputados – também com apoio mínimo de 3/5 (ou seja, 308 deputados) em cada uma delas.
Em linhas gerais, a PEC transformaria o BC, uma autarquia federal com orçamento vinculado à União, em empresa pública com total autonomia financeira e orçamentária, sob supervisão do Congresso Nacional.
A autarquia teria plena liberdade para definir, por exemplo, os planos de carreira e salários de seus funcionários, contratações e reajustes. O financiamento das atividades da instituição seria feito a partir de receitas da chamada “senhoriagem”, entendida como “o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros” – nos moldes do que ocorre em bancos centrais de países como Estados Unidos, Canadá, Suécia, Noruega e Austrália.
A princípio, parece bom, mas não é. Um estudo compilado na obra “Os mandarins da economia – Presidentes e diretores do Banco Central do Brasil” (Almedina, 2022), que tem entre seus organizadores o cientista político Adriano Codato, membro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, mostra que a autonomia do Banco Central não existe devido à forte ligação de dirigentes com o mercado financeiro.
O próprio Campos Neto vem do mercado financeiro. Ele foi tesoureiro do Santander.
Segundo o estudo, há prevalência absoluta de economistas de viés neoliberal em diretorias que atuam diretamente na definição da política monetária e decidem, na prática, aspectos como a taxa básica de juros, alvo principal das críticas de Lula.
Em suma, o estudo esclarece que a autonomia do Banco Central é de fachada, ao menos em relação ao mercado financeiro.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo