A Petrobras obteve no ano passado o segundo maior lucro da sua história, de R$ 124,6 bilhões. Na grande imprensa, essa informação passou ao largo, pois a prioridade foi noticiar que a empresa não pagaria dividendos extraordinários a seus acionistas. O que aconteceu? O mercado financeiro teve chilique, as ações da empresa caíram derrubando a bolsa e, na sexta-feira passada (8), um dia depois de ter anunciado seu balanço, a empresa perdeu pouco mais de R$ 50 bilhões em valor de mercado.
Crise instalada diante da barulheira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião para debelar o incêndio. Na última segunda-feira (11), reuniram-se no Palácio do Planalto com Lula, Jean Paul Prates, CEO da companhia; Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia; Rui Costa, da Casa Civil; e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, entre outros membros do governo.
Ficou decidido que o Conselho de Administração da Petrobras vai rediscutir a questão dos dividendos e que Haddad vai indicar um nome da Fazenda como conselheiro da empresa, com o objetivo de equilibrar as forças nas decisões, de modo que o voto de Prates tenha poder de desempate.
“A imprensa é demais… A Petrobras teve lucro de R$ 124,6 bilhões, o segundo maior da história, e, ainda assim, a grande imprensa critica a queda [no pagamento] de dividendos”, disse o jornalista Luis Nassif, em comentário no ICL Notícias 1ª edição de ontem (12).
Antes de continuar, é preciso esclarecer um ponto: afinal, o que são dividendos? São parte dos lucros que uma empresa distribui a seus acionistas. É uma espécie de remuneração que companhias como a Petrobras e outras com ações negociadas em bolsa pagam a seus sócios-investidores.
Em 2023, primeiro ano do novo governo Lula, a Petrobras lucrou 33,8% menos do que os R$ 188,3 bilhões ganhos em 2022, devido a uma série de fatores, mas, principalmente, devido às oscilações do preço do petróleo no mercado internacional, como bem explicou a economista do ICL Economia, Deborah Magagna, na edição de sexta-feira do ICL Mercado e Investimentos, programa diário transmitido no canal do ICL no YouTube (saiba mais clicando aqui).
Do lucro de 2023, a administração da empresa decidiu distribuir a acionistas R$ 72,4 bilhões. Isso também é cerca de um terço dos R$ 222 bilhões distribuídos no ano anterior.
O imbróglio em torno dos dividendos começou quando a diretoria da empresa enviou ao Conselho de Administração proposta para pagar 50% dos dividendos extraordinários e reter os demais 50%. Mas o colegiado decidiu propor reter todo o valor dos dividendos extraordinários em um fundo de reserva que, segundo o estatuto da própria companhia, deve ser usado para remunerar os acionistas ou, caso necessário, cobrir possíveis prejuízos. Tal proposta ainda precisa ser aprovada pela Assembleia Geral Ordinária, que reúne os acionistas da Petrobras e se reúne no próximo dia 25 de abril.
O diretor financeiro e de relações com investidores da Petrobras, Sérgio Caetano Leite, justificou que o conselho decidiu reter todo o valor para analisar melhor os cenários, levando em conta que estão previstos maiores investimentos.
A direção da empresa, por sua vez, sustenta que, como não há previsão de prejuízo no médio ou curto prazo, a reserva para onde devem ir os R$ 43 bilhões de dividendos extraordinários deveria ser usada para a remuneração dos acionistas.
A Petrobras é obrigada a pagar dividendos extraordinários? Para Luis Nassif e outros especialistas, não
A redução do valor do pagamento tem explicação, segundo executivos da Petrobras e especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Primeiramente, está ligada à queda no lucro da companhia, que baixou os preços de combustíveis e investiu mais em 2023. Além disso, tem a ver com uma decisão da empresa, que alterou sua política de remuneração e ainda definiu, no início deste ano, poupar parte dos dividendos para distribuí-los futuramente.
Para quem compra uma ação da Petrobras visando um retorno rápido – um típico especulador –, essa mudança de postura é prejudicial a seus interesses. Acontece que hoje boa parte dos investidores da Petrobras enquadra-se neste perfil. A reclamação deles acabou ganhando força e pressionando a direção da estatal.
Na opinião de Luis Nassif, os acionistas da Petrobras ficaram descontentes com as mudanças de rumo, pois trata-se de uma lógica diferente do que acontecia na gestão Paulo Guedes à frente do então Ministério da Economia.
“A lógica de uma empresa qual é? Ela precisa ter lucro. Parte do lucro vai para os seus acionistas e outra parte vai para investimentos para garantir a perpetuidade da empresa. No período Paulo Guedes nós tivemos a distribuição de todo o lucro da Petrobras, mas não só o lucro real, mas também a expectativa de lucro futuro, ou seja, esvaziaram a Petrobras, venderam refinarias por metade do preço para entregar para os acionistas no momento em que a empresa precisava urgentemente de grandes investimentos porque tem uma transição energética”, pontuou o jornalista.
Os investimentos, segundo Nassif, são necessários, porque a Petrobras “vai deixar de ser uma empresa estritamente petrolífera para ser uma empresa de energia, e isso exige resultados, exige investimentos”.
Ele ainda lembrou que, no ano passado, a petroleira conseguiu lucrar sem venda de subsidiárias, processo diferente do ocorrido a partir da gestão de Michel Temer, a partir de 2016, com continuidade na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, em que a empresa passou por um processo de desmonte.
Além disso, Nassif sublinhou que os acionistas da Petrobras recebem o lucro obrigatório previsto pela Lei de Sociedades Anônimas. “Enfiaram na cabeça não sei de quem que o excedente [do lucro] tem quer ir para o acionista e a briga foi essa. O Lula ou alguém disse ‘não, a Petrobras tem que reter esse lucro excedente para investimento’. O que o mercado faz? ‘Não, tirou o dinheiro dos acionistas'”, disse Nassif, lembrando também a Petrobras é uma empresa pública, na qual o governo é o acionista majoritário e que a maioria dos investidores é estrangeira.
Ao Brasil de Fato, o diretor técnico do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Mahatma Ramos dos Santos, disse que os acionistas têm visão distorcida sobre a empresa. “Os acionistas da Petrobras estão com uma visão de curtíssimo prazo, olhando para a empresa apenas como uma distribuidora da riqueza e da lucratividade gerada a partir da renda do petróleo, sem ter uma visão estratégica tanto sobre o futuro operacional e financeiro da Petrobras quanto sobre o desenvolvimento ou uma aderência a qualquer ideia de desenvolvimento nacional e soberania energética brasileira.”
À Agência Brasil, o economista André Roncaglia, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e comentarista de economia do ICL, disse que queda no preço das ações da Petrobras é um movimento localizado e circunstancial e que a reação do mercado tem relação com o fato da empresa agora está atuando mais condizente com sua natureza mista, que busca objetivos privados, mas também precisa atender a interesses públicos.
“A frustração do mercado é porque ele estava acostumado com a Petrobras ter uma natureza extrativista, ou seja, pegar o dinheiro e repassar na forma de dividendos. A nova gestão está olhando mais para o longo prazo, então está retendo mais lucros para poder investir”, destacou.
Lembrando que, em 2023, a Petrobras foi a petroleira que mais pagou dividendos aos acionistas quando comparado com outras cinco grandes companhias do setor: Chevron, BP, Total, Shell e Exxon Mobil, segundo levantamento da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET). Enquanto a Petrobras pagou US$ 20,28 bilhões, a 2ª colocada, que foi a Exxon, pagou U$S 14,95 bilhões em dividendos.
Rui Costa vê movimento especulativo
O ministro Rui Costa disse ontem (12) a jornalistas que a definição sobre a distribuição de dividendos da Petrobras cabe à própria companhia. Ele também afirmou não entender o que chamou de “polêmica” envolvendo a petroleira.
“A Petrobras teve o segundo maior lucro da história. Pagou o segundo maior dividendo da história. Então é para todo mundo estar comemorando. Não vejo motivo dessa polêmica. […] O mercado sempre fala de previsibilidade, segurança jurídica, obedecimento e cumprimento das regras pré-estabelecidas. Tudo isso foi feito”, afirmou.
Na avaliação dele, houve “movimento especulativo” para derrubar as ações da Petrobras nos últimos dias e que todas as leis e regras foram cumpridas.
“Esse movimento é para iludir algumas pessoas para vender ação, valorizar embaixo e outros compram. Então ontem [anteontem] mesmo estava uma forte subida [na bolsa]. Quase uma linha reta subindo. É porque esse é um movimento especulativo. E o governo errou o quê?”, questionou.
Ontem, a bolsa brasileira voltou a fechar no azul apoiada na Petrobras, cujas ações subiram a despeito da queda do petróleo no mercado internacional.
Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias 1ª edição, Agência Brasil, Brasil de Fato e Folha de S.Paulo