No momento em que ganha força a proposta da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) sobre a extinção da jornada 6×1, entidades patronais começaram a tocar o terror dizendo que a mudança pode provocar uma “onda de demissões” no país, com o objetivo de barrar a discussão do tema.
Segundo informações do blog do jornalista Bernardo Mello Franco, em O Globo, entre as entidades estão a Confederação Nacional do Comércio, Confederação Nacional da Indústria, Associação Brasileira de Bares e Restaurantes e Federação das Indústrias do Rio.
Ao blog, o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Paulo Solmucci, classificou a proposta como uma “ideia estapafúrdia”. “Já estamos com dificuldades enormes com trabalhadores”, esbravejou.
O presidente da Federação do Comércio de Minas Gerais, Nadim Donato, projetou uma quebradeira de pequenas e médias empresas em todo o país. “Essa mudança terá consequências graves, fazendo com que elas fechem as portas”, garantiu.
O terrorismo feito por essas entidades já ocorreram em outros momentos da História, como com a implementação do 13º salário pelo governo de João Goulart, em 1962, por meio da Lei 4.090/62. E a mesma História provou que o terror não faz sentido.
O presidente do conselho de relações do trabalho da CNI, Alexandre Furlan, também fez discurso contrário à mudança da escala. Ele definiu a redução da escala como uma “conta que não fecha”. O vice-presidente da Federação das Indústrias do Rio, Antonio Carlos Vilela, falou em “risco ao crescimento do nosso país”.
Na semana passada, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim da jornada de trabalho 6×1 (seis dias de trabalho com um de descanso) atingiu o quórum mínimo de assinaturas necessárias para tramitar na Câmara dos Deputados. O projeto de Erika Hilton formalizou uma iniciativa do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), do vereador eleito no Rio de Janeiro, Rick Azevedo (PSOL).
A deputada pede a alteração de dois pontos do inciso 13 do artigo 7º da Constituição atualmente em vigor. Um desses pontos é o limite do horário de trabalho, que passaria de 44 horas para 36 horas por semana. O outro ponto é a criação da jornada de trabalho de quatro por três, onde se trabalha quatro dias e se descansa três. Importante lembrar que a legislação atual não define quantos dias por semana a jornada de trabalho deve ter.
Mas a própria deputada já disse que o objetivo principal da proposta é levantar a discussão sobre a mudança na jornada, a fim de que o trabalhador possa ter mais momentos livres para passar com a família.
Lula defende que alteração da jornada 6×1 seja debatida no G20
Na presidência transitória do G20 (fórum que reúne as 19 economias mais ricas do planeta, mais União Africana e União Europeia), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que o tema da redução da jornada de trabalho seja tratado pelo G20, durante a Cúpula de Líderes que acontece entre hoje (18) e amanhã (19) no Rio de Janeiro.
“O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. O G20 precisa discutir uma série de medidas para reduzir o custo de vida e promover jornadas de trabalho mais equilibradas”, discursou Lula no sábado (16), sem citar diretamente o fim da escala 6×1.
A fala ocorreu no encerramento da Cúpula Social do G20 (G20 Social), iniciativa inédita promovida pelo Brasil dentro da programação do grupo, com o objetivo de promover a inclusão da sociedade civil e de movimentos sociais nos debates globais.
Por sua vez, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, a princípio se colocou contra a aprovação da medida no Legislativo, defendendo que mudanças na escala de trabalho deviam ser negociadas por meio dos sindicatos.
“O Ministério do Trabalho e Emprego entende que a questão da escala de trabalho 6×1 deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho. A pasta considera, contudo, que a redução da jornada para 40 horas semanais é plenamente possível e saudável, quando resulte de decisão coletiva”, escreveu na rede social X.
Na quinta-feira passada (14), o ministro da Trabalho afirmou que uma folga semanal é algo cruel. “A jornada 6×1 é cruel. Pensar você um, dois, três, quatro, dez anos, ter um único dia de folga na semana, imagina só o quanto é cruel, em especial para as mulheres”, disse em entrevista compartilhada em sua rede social.
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) tem defendido a proposta. “É uma tendência no mundo inteiro. À medida que a tecnologia avança, você pode fazer mais com menos pessoas, você ter uma jornada menor. Esse é um debate que cabe à sociedade e ao parlamento a sua discussão”, disse na terça-feira passada (12) a jornalistas.
Veja como é a jornada de trabalho em outros países
O pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, Thomas Coutrot, afirmou à BBC News Brasil que “na Europa de modo geral, as pessoas trabalham cinco dias por semana. Não é frequente a semana de seis dias”.
Ele destacou que, na França, poucos setores adotaram essa jornada por iniciativa própria, sem a necessidade de mudanças legais, sendo um exemplo o setor de restaurantes de alta gastronomia.
O maior esforço para testar a viabilidade dessa jornada tem vindo de projetos-piloto promovidos pela organização internacional 4 Day Week Global, que defende a implementação da semana de trabalho de quatro dias.
Esse projeto foi testado no Brasil, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Suécia, Holanda, África do Sul, Índia, Chile, Itália, Noruega, Bélgica e Suíça.
Veja abaixo como é a experiência em alguns países:
Reino Unido: do total de 61 empresas participantes de um projeto-piloto no Reino Unido para semana de trabalho de quatro dias, 18 disseram que manteriam essa jornada desse modo por conta dos benefícios alcançados. Outras 38 afirmaram que continuariam o teste, que durou seis meses. Segundo reportagem publicada no Financial Times, os organizadores do projeto querem fazer da semana de trabalho de quatro dias o novo padrão do mercado, com base em um modelo de cem por cento do salário para 80% do tempo de trabalho, em troca de um compromisso de entrega total da produção esperada.
Brasil: a proposta de Erika Hilton inclui menção a um desses projetos-piloto, realizado no ano passado, mas que envolveu apenas 22 empresas. “É possível observar menor número de faltas dos empregados e produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais para o modelo da empresa”, coloca o projeto da deputada.
Bélgica: o país se tornou o primeiro país europeu a legislar sobre o tema, os trabalhadores conquistaram, em fevereiro de 2022, o direito de comprimir sua carga horária semanal em quatro dias, sem redução salarial. Entretanto, a lei belga não permite uma redução nas horas trabalhadas, mas apenas uma redistribuição da carga horária, o que, para muitos, resulta em jornadas de 9,5 horas por dia. Dados da consultoria Acerta revelam que, até outubro de 2023, apenas 1,9% das empresas no país adotavam essa jornada de trabalho.
Chile: a legislação do país autoriza semanas de quatro dias úteis desde 2017, entretanto, a medida não se espalhou no país.
Grécia: o governo aprovou neste ano uma lei que permite a jornada 6×1, semelhante à que está sendo discutida no Brasil para ser abolida. A legislação grega, no entanto, estabelece que, no sexto dia de trabalho, os funcionários devem receber um adicional de 40% sobre o valor da hora trabalhada.
Alemanha: os sindicatos têm pleiteado a semana de quatro dias com bastante força nos últimos meses. Mas o governo não tem respondido com nenhuma política pública nesse sentido.
França: em 1998, o governo implementou a redução da jornada de trabalho de 39 para 35 horas semanais, mantendo, no entanto, o modelo de cinco dias de trabalho por semana na maioria dos casos. A mudança, conforme observou Coutrot, enfrentou forte resistência do setor empresarial, que argumentava que a medida prejudicaria a economia. Para viabilizar a redução da jornada sem cortar salários, como propõe a deputada Erika Hilton no Brasil, as empresas francesas adotaram uma estratégia de aumentos salariais abaixo da inflação. Essa medida visava mitigar os impactos do aumento dos custos trabalhistas.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias, O Globo e BBC News Brasil