O mercado de criptomoedas, que tinha a expectativa de ver aprovado pelo Congresso o projeto sobre a regulação dos ativos ainda neste mês de junho, vai ter que esperar mais. Isso porque a votação da chamada “Lei Bitcoin”, que deveria ter acontecido na última terça-feira (7), foi retirada da pauta após pedido do relator, deputado Expedito Netto (PSD-RO), diretamente ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
O relator da “Lei Bitcoin” alega que não se pode discutir tributação na redação atual, devendo essa constar em redação própria.
Para entender o trâmite do projeto: no final do ano passado, o PL 2303/2015, de autoria de Áureo Ribeiro, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, e encaminhado para ser apreciado pelo Senado, com a numeração alterada para PL 4401/2021. Os senadores aprovaram o projeto, com mudanças no texto vindo da Câmara. Com isso, o PL agora deve ser novamente apreciado pelos deputados.
Apoiado por grandes empresas nacionais e internacionais do ramo, o PL 4401/2021, entre outras coisas, autoriza órgãos e entidades da administração pública a realizar operações com criptomoedas e prevê amplos incentivos, na forma de isenções fiscais, para a chamada “mineração” de criptomoedas – o processamento computacional de criptoativos.
Analistas apontam série de problemas na “Lei Bitcoin”
Um parecer da Liderança do PSOL na Câmara sobre o PL 4401/2021 – e as mudanças que a “Lei Bitcoin” sofreu no Senado – aponta dois grandes problemas. Um primeiro deles chama a atenção para a preocupação com a permissão para que órgãos e entidades da administração pública realizem a abertura de conta em prestadoras de serviços de ativos virtuais e realizem operações com ativos virtuais e seus produtos derivados.
O documento cita o caso de El Salvador que, após adotar o bitcoin (primeira cripto criada no mundo) como moeda, viu sua reserva cair um terço e o risco de calote em dívida soberana aumentou fortemente. O país já perdeu cerca de US$ 40 bilhões com desvalorização do bitcoin.
Sobre este fato, o economista do ICL André Campedelli explica que El Salvador, ao perder suas reservas internacionais devido às altas desvalorizações da bitcoin, entrou também em risco de calote do pagamento da dívida. “O FMI, inclusive, já pede abertamente ao país para reverter tal situação, voltando a operar com uma moeda física sua economia”, ressalta.
Para Campedelli, caso ocorresse no Brasil a permissão para órgãos públicos operarem em bitcoin, empresas estatais, prefeituras e governos poderiam deixar parte de seu orçamento em criptoativos, que atualmente possuem meramente a função especulativa, não sendo usados em quaisquer outras funções, como a realização de obras e prestação de serviços públicos. “Seria como a legalização da especulação financeira via compra de ativos virtuais para os órgãos públicos. O risco de perda de dinheiro do orçamento público com as altas variações da moeda poderia acarretar em graves problemas fiscais”, afirma o economista.
Risco de apagões por conta da “mineração” das criptomoedas
Uma segunda preocupação apontada pelo parecer do PSOL sobre a Lei Bitcoin é do ponto de vista ambiental, energético e econômico. Esses setores podem ser gravemente afetados, uma vez que o projeto concede benefícios, até 31 de dezembro de 2029, com a redução a zero das alíquotas de vários tributos (Pis/Pasep; Cofins; Imposto de Importação; e IPI) devidos sobre a importação, a industrialização ou a comercialização de máquinas (hardware) e ferramentas computacionais (software) utilizadas nas atividades de processamento, mineração e preservação de ativos virtuais.
Novamente citando experiências internacionais, o Irã foi exemplo. O país sofreu apagões por conta da “mineração” de bitcoins e, após seguidos ‘blackouts’, o governo do país fechou empreendimentos de mineradores sob acusação de causarem sobrecarga no sistema elétrico. “O Irã culpou ‘fazendas de mineração’ de bitcoins, como são chamadas as estruturas industriais de verificação e validação das transações com a mais popular entre as criptomoedas, por sucessivos apagões de energia elétrica”, explica o documento da Liderança do partido.
A regulação das criptomoedas é, sem dúvida, motivo de muita polêmica em todo o mundo.
O economista do ICL dá detalhes sobre uma possível concessão de isenção das chamadas fazendas de mineração de criptomoedas no Brasil: “a mineração mundial de criptomoedas atualmente utiliza a mesma quantidade de energia que a utilizada no território argentino. Isso gera um enorme impacto ambiental, com aumento da emissão de CO2, além de poder acarretar num aumento substancial do consumo energético no Brasil”.
Nesse ponto, novamente vale lembrar outra experiência internacional, o Cazaquistão, que atualmente é o segundo maior minerador de criptomoedas do mundo. Naquele país, o consumo de energia para tal atividade é tão grande que o país entrou em uma crise energética no final de 2021. Isso exigiu medidas como a limitação do uso máximo de megawatts pela indústria da mineração, para garantir que existisse energia elétrica suficiente para serem utilizadas nas cidades do país.
Campedelli defende que, sem estabelecer limites à mineração, situação similar pode ocorrer no Brasil: “com a alta do consumo de energia, maior quantidade de termoelétricas teriam que se ligadas, aumentando a quantidade de emissão de CO2, além de encarecer o custo de produção energética, afetando o preço da tarifa para as famílias e para as empresas, o que teria potencial de gerar uma pressão inflacionária gigantesca no país”.
Esclarecendo:
. As criptomoedas são ativos especulativos de alta volatilidade e, portanto, de alto risco.
. A chamada “mineração” é o processo por meio do qual tais “coisas digitais” ou “criptoativos” são, na prática, produzidos. Por várias razões, esse processo consome uma quantidade descomunal de energia.
Redação ICL Economia