A emergência climática não é igual para todos, muito menos para todos os países. Algumas manifestações dos riscos que podem se apresentar com a mudança de clima ligaram o alerta para a necessidade de atitudes que temos que tomar. No fim de julho, um calor sem precedentes que assolou Europa, EUA e China. No Brasil, o Mapbiomas alertava que o Rio São Francisco havia perdido 50% da superfície de água natural.
No início de abril deste ano, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) alertava que, diante de um levantamento de mais de 18 mil publicações científicas, a conclusão era que com as políticas climáticas firmadas por governos até 2020, o planeta atingiria um aquecimento de 3,2ºC, mais que o dobro do limite acordado de 1,5ºC até o final do século.
Um dado central em relação à política de climática é considerar que as nações que produzem e exportam a maior parte dos alimentos do mundo serão as mais afetadas pela perda de produtividade trazidas pelas mudanças climáticas. É isso que afirmou pesquisa publicada no Journal of Environmental Economics and Management.
O levantamento feito em 2021 dividiu o globo em mais de 1.100 células diferentes e aplicou sobre elas 21 modelos possíveis de mudanças na temperatura e nos regimes de chuvas. Foi então possível traçar previsões sobre as colheitas de milho, arroz, trigo e soja, que juntos representam 75% das calorias consumidas pela população global, em 2050 e no final do século.
A pesquisa afirma que os “efeitos adversos” de perda de produtividade no campo até o final do século, estimados entre 11% e 25%, serão mais sentidos nas Américas e, em menor grau, na África. Enquanto isso, “a Ásia e especialmente a Europa experimentam comparativamente poucos impactos significativos.”
Com secas, temperaturas mais elevadas e eventos climáticos extremos, a produtividade da soja pode cair até 57% até o final do século, diz o levantamento.
Esse tipo de previsão já existia para a agricultura dos Estados Unidos, mas dados inéditos permitiram fazer a pesquisa em nível global, explica Enrica De Cian, professora da Universidade de Veneza, na Itália, e uma das autoras da pesquisa.
“O que concluímos é que a capacidade de adaptação para mitigar os impactos da mudança climática é, na verdade, bastante limitada. É bastante limitado também, na verdade, não apenas em mercados emergentes em que você poderia pensar que a capacidade de se adaptar é de alguma forma menor, mas também em países desenvolvidos, como os EUA”, diz De Cian ao Brasil de Fato.
A pesquisadora destaca que produtores de alimentos podem compensar a queda no volume das safras com um aumento nos preços, mas a população pobre será a mais afetada pelo cenário: “É bem claro que os mais pobres seriam os menos capazes de pagar preços mais altos por comida, então eles teriam uma perda em termos de suas necessidades básicas e na capacidade de alcançar suas demandas nutritivas”.
Mudanças climáticas: o que queremos no Brasil?
O Brasil, como um país produtor de alimentos, entra no grupo de países que seriam afetados pelas mudanças climáticas. E isso se somaria a outras questões de desigualdade estrutural que atingem o campo brasileiro.
Bárbara Loureiro, do Setor de Produção do Movimento Sem Terra (MST), destaca que o modelo de agronegócio exportador que domina hoje o Brasil representa um “ciclo de destruição” e que não representa o interesse da maior parte da população.
“Quando a gente fala do agronegócio, a gente precisa lembrar que ele é sempre sinônimo de expansão territorial e concentração fundiária”, diz Loureiro ao Brasil de Fato.
A integrante do MST também destaca que os efeitos nefastos de um campo que consegue produzir cada vez menos alimentos não serão sentidos por todos de maneira uniforme, mas afetarão principalmente pobres, negros e mulheres.
O Relatório Anual do Desmatamento, feito pelo Mapbiomas, indica que o agronegócio foi o principal responsável pelo desmatamento ilegal no Brasil. Na comparação entre 2020 e 2021, a perda de cobertura vegetal no país cresceu 20% e registrou alta em todos os biomas.
Com as eleições presidenciais, a integrante do MST diz que o país pode ter uma chance de implantar um “paradigma ecológico soberano” que respeite as populações indígenas e quilombolas.
“O meio ambiente não é inimigo da economia e do desenvolvimento, como foi definido com o slogan do ‘passar a boiada’ do governo Bolsonaro. Mas é determinante para nós pensar um projeto popular para o Brasil, na perspectiva de construir, pensar esse tema ambiental a partir de uma perspectiva popular”, diz Loureiro.