Há três safras o Rio Grande do Sul sofre com as secas. Sete cidades estão em situação de emergência por conta dos eventos climáticos. Enquanto isso, as chuvas assolam outros cantos do Brasil. O litoral norte de São Paulo registrou a maior chuva da história do país na madrugada de domingo (19). Em 24 horas, choveu mais de 600 milímetros em algumas praias. São pelo menos 46 mortos. Chuvas também provocam transtornos nos últimos dias no Rio de Janeiro, com enchentes. Em Mauá, no ABC Paulista, com deslizamentos. E em Balneário Camburiú (SC), com enchentes e o avanço do mar. Eventos climáticos cada vez mais frequentes.
Secas, queimadas históricas e enchentes. Sinais de alterações no clima (eventos climáticos), que é do que os geólogos chamam de Antropoceno. Trata-se de uma nova era geológica da Terra, marcada pela interferência humana no clima. Emissão de gases do efeito estufa, poluentes, extinção em massa de espécies, desmatamentos, vastidão de áreas para pasto e monoculturas. Tudo isso passa a ter relevância fundamental na dinâmica climática do planeta, provocando esses eventos climáticos. A ONU (Organização das Nações Unidas) teme que os eventos climáticos tenham chegado a um “ponto sem volta”.
O Painel Intergovernamental sobre IPCC (Mudanças Climáticas da ONU) divulgou estudo em fevereiro do ano passado sobre impactos dos eventos climáticos. Entre as mais de 2.500 páginas do levantamento está a previsão de chuvas mais concentradas e menos regulares no Brasil, com mais impacto na região Sudeste. O artigo cita, expressamente, “aumento de temporais e inundações” na região. Com as enchentes, devem aumentar doenças como leptospirose e dermatites, além de “novos” vírus que podem surgir nesse contexto.
Ação humana é a principal responsável pelos eventos climáticos atípicos. Chuva no litoral norte não pode ser considerada normal
Na prática, eventos climáticos antes atípicos serão cada vez mais comuns graças à ação humana. Então, a tragédia recente no litoral paulista pode estar relacionada a um conjunto de abalos estimulados pela ação humana. Cientistas salientam que uma série de fatores, como o avanço de uma frente fria, a temperatura elevada do oceano, a formação de um ciclone extratropical culminaram no “evento climático extremo”. “As chuvas no litoral paulista foram brutais, todes sabemos. Geógrafos e entusiastas da crítica ao antropoceno em geral logo se eriçam em busca de algum sinal da ação humana – ou, melhor dizendo, do capitalismo fazedor de desertos – em mais essa catástrofe”, afirma o geógrafo Allan Rodrigo de Campos Silva.
“Das tempestades na Ilha Grande em 2009, aos deslizamentos em Petrópolis em 2011 e 2022, às chuvas do litoral norte de SP agora em 2023. Uma pergunta vai ficando cada vez mais incontornável: quantas vezes um evento raro pode acontecer até que se torne outra coisa?”, questiona. A resposta não é óbvia, não há consenso. Contudo, pesquisadores estão debruçados sobre o tema. Tratam-se de eventos raros ou sinais de mudanças abruptas no clima terrestre?
Allan lembra do norte-americano urbanista Mark Davis, autor de “O Deserto que Vem: Kropotkin, Marte e o Pulso da Ásia”. “É evidente que tudo isso é um tributo perverso ao capitalismo industrial e do imperialismo exploratório como forças geológicas tão extraordinárias que conseguiram nos últimos 50 anos derrubar a Terra do seu pedestal climático e empurrá-la para o desconhecido não linear”, afirma Davis. “Por fim, para terminar com o velho Mike mais uma vez, essas chuvas são um ‘indício fascinante de um problema maior em nossa psique cultural: a oclusão da história natural pela ideologia do ambiente local’”, completa Allan.
Por sua vez, o biólogo e ecólogo Kleber Del Claro reforça a responsabilidade humana na pressão dos sistemas climáticos. “Não é normal, não é algo esperado. Cair mais de 600mm de chuvas numa única localidade, em poucas horas, é um evento climático extremo. O aquecimento global está levando ao surgimento de casos de eventos climáticos extremos no mundo todo.”
O climatologista brasileiro Carlos Nobre, cientista referência mundial em mudanças climáticas, reforça a posição do papel humano nessas tragédias.
“No planeta inteiro, todos esses fenômenos extremos estão acontecendo com muito mais frequência, e a ciência não deixa nenhuma dúvida de que eles não estariam acontecendo com essa frequência se o planeta não estivesse sofrendo o aquecimento global”, disse em entrevista ao DW Brasil.
Embora existam pré-análises sobre o papel das mudanças climáticas nos eventos extremos no Brasil e no mundo, ainda é cedo para cravar a relação no caso do litoral paulista. Então, Nobre espera que as respostas venham em breve.
“já existem vários sistemas no mundo – e seria importante ter um desses no Brasil – que procuram fazer o que se chama de atribuição de causa (…) Isso foi feito após a chuva que causou mais de 120 mortes em Recife em 2022. Imediatamente, um grupo da Inglaterra fez essa simulação e mostrou que a intensidade e frequência daquele tipo de evento extremo se deve ao aquecimento global. Temos que esperar esses grupos que têm capacidade de fazer esses estudos. Tenho certeza que, em poucas semanas, farão isso”, explicou.