Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Finalmente foi divulgado o arcabouço fiscal brasileiro, a regra será apresentada ao Congresso como substituto ao antigo modelo vigente, o chamado Teto de Gastos, criado por Meirelles ainda no governo Temer. A regra anterior tinha se mostrado irreal, e levado o Brasil a um verdadeiro caos social, com um arrocho de quase todas as áreas sociais brasileiras. Agora há um novo modelo e, antes de tudo, temos que discutir quais são as novidades e os problemas que enxergamos nessa proposta.
Agora existe uma regra que primeiro determina um limite das receitas a serem gastas. A regra atual permite que seja gasto 70% da previsão de arrecadação, que é projetada sobre a média móvel dos 12 meses anteriores. Além disso, existe um limite para o crescimento anual do gasto, que é de 2,5% em relação ao gasto do ano anterior. Outra regra estipula um piso, que é de 0,6% de aumento do gasto em relação ao ano anterior, qualquer que seja a arrecadação.
Aqui temos um dos primeiros problemas, que é a limitação do gasto em momentos de expansão econômica. Essa limitação pode atrapalhar a continuidade do processo de expansão econômico e levar a momentos do chamado voo de galinha no PIB, um crescimento considerável em um ano com um ano seguinte decepcionante em termos de crescimento. Essa regra também serve para garantir tanto o pagamento da dívida pública quanto para fazer uma reserva a ser usada em momentos anticíclicos, quando a economia estiver com problemas. Isso serviria para garantir que o gasto mínimo de 0,6% de aumento seja garantido mesmo se tivermos um déficit no ano anterior ou uma queda abrupta de arrecadação. Mas parte da lógica de que somente com poupança prévia é que se pode realizar gastos, o que é um problema de conceito econômico dentro da macroeconomia.
Uma das regras existentes é que os gastos com saúde e educação seguirão os reajustes constitucionais já existentes, ou seja, o aumento acontece na mesma proporção que o aumento da arrecadação. Aí temos a repetição de um problema já observado dentro do teto de gastos. Isso vai fazer com que, na prática, o aumento de 2,5% não seja o mesmo para todas as rubricas do governo. Com esse limite imposto, alguns setores com certeza devem ter aumento de orçamento menor do que os demais, para recompor o aumento do repasse para saúde e educação. E isso tem um potencial enorme de prejudicar o investimento público, que é um dos motores mais importantes para reaquecer a economia brasileira neste momento.
Outro ponto importante da regra, é em relação à meta de superávit. Agora ela será feita em forma de bandas, algo semelhante ao que já acontece dentro do regime de metas de inflação. Vai existir um intervalo na qual o superávit deve ser alcançado. Além disso, se o governo conseguir alcançar um superávit acima do esperado, poderá utilizar esse excesso de reserva em forma de investimento público no próximo período. Aí temos também outro problema, pois o que pode garantir um superávit primário representativo é justamente o aumento do gasto público, gerando melhora da atividade econômica e aumento das receitas. Mas você só pode estimular com maior veemência o investimento público caso alcance o superávit acima do esperado. Isso gera um problema que pode prejudicar mais uma vez a realização de investimento público no país.
Temos então, alguns breves apontamentos iniciais sobre a regra fiscal que será votada em breve no Congresso Nacional. A regra é melhor que o teto anterior, por ter alguns elementos anticíclicos, uma maior flexibilidade e garantir um aumento mínimo de gastos principalmente em situação de baixa atividade econômica. Mas ao mesmo tempo limita muito o ritmo de atividade econômica via investimento do governo quando a economia for bem. A regra coloca um peso muito elevado no investimento privado como motor de crescimento econômico no país. E esse pode ser um problema. Temos uma regra com potencial de atrapalhar o crescimento econômico nos melhores momentos do PIB, e isso é algo que deveria ser mais bem pensado, principalmente por levar em conta a necessidade do investimento público para o Brasil.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira