O plenário no Senado Federal aprovou ontem à noite (14), por 70 votos a 2, o projeto que autoriza a renegociação da dívida dos estados com a União, calculada em R$ 765 bilhões. Na prática, o texto, de autoria do presidente da Casa Maior, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), alivia os juros do saldo devedor, que privilegia, principalmente, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esses quatro detêm 90% da dívida.
O PLP 121/2024 cria o Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados) para promover a revisão dos termos das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União.
O texto prevê os seguintes tópicos:
- Desconto nos juros: a proposta autoriza desconto nos juros e dá prazo de 30 anos para pagamento (360 parcelas);
- Transferência de ativos para a União: o texto também abre a possibilidade de os estados transferirem ativos para a União como parte do pagamento;
- Investimentos sociais: o Propag também cria exigências para os estados investirem em educação, formação profissional, saneamento, habitação, enfrentamento das mudanças climáticas, transporte e segurança pública como contrapartida.
- Taxa de juros: será mantida a taxa de juros atualmente cobrada pela União, correspondente ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acrescido de 4% ao ano. Mas haverá descontos de acordo com o montante da dívida que será quitado na entrada e outras regras fiscais e financeiras específicas. Com isso, estados poderão alcançar taxas de juros de IPCA mais 0%, 1% ou 2%;
- Fundo: a proposta ainda institui que o Fundo de Equalização Federal receberá parte dos recursos economizados com o desconto de juros da renegociação para investimentos em todos os estados e no Distrito Federal. Outra parte do dinheiro poderá ser integralmente aplicado em investimentos no próprio estado, em vez de ser pago como juros da dívida à União. No mínimo, 60% deverão ser investidos na educação profissional e técnica. Isso significa que parte dos recursos que seriam pagos como juros à União serão aplicados diretamente no próprio estado e outra parte será revertida ao Fundo de Equalização para investimentos em todos os estados;
- Prazo: o projeto de lei estabelece o prazo de 120 dias para a adesão do estado ao Propag, mas abre margem para que a entrega de ativos seja feita a qualquer momento mediante “amortizações extraordinárias da dívida”.
A proposta foi apresentada pelo presidente do Senado, que colocou a iniciativa como prioridade para ajudar seu estado, Minas Gerais, onde deve concorrer ao cargo de governador nas eleições de 2026.
Lembrando que Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul estão no RRF (Regime de Recuperação Fiscal), programa de socorro para estados em péssimas condições financeiras.
Dívida dos estados: Norte e Nordeste reivindicavam tratamento mais isonômico
Menos endividados, os estados do Norte e Nordeste foram menos contemplados pela proposta e, por isso, reivindicavam tratamento mais isonômico, sob o argumento de que a renegociação está penalizando aqueles que mantiveram as contas em dia com a União.
Na proposta aprovada, eles foram contemplados no critério de distribuição do fundo a ser abastecido com parte da economia obtida pelos estados com a redução de juros da dívida.
Com a adesão ao Propag, os estados, na prática, podem pagar juro real zero, mediante algumas condições, como entrega de ativos e compromisso com investimentos em educação, saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública.
O parecer do relator, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também incluiu a possibilidade de estados endividados usarem seus ganhos futuros com o FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), criado pela reforma tributária do consumo para viabilizar incentivos fiscais regionais, com o objetivo de quitar parte de seus débitos com a União.
O FNDR será abastecido com repasses anuais da União, fora das regras fiscais. Eles começam em R$ 8 bilhões (em valores de hoje) em 2029, chegam a R$ 40 bilhões em 2033 e alcançam R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043.
Os critérios de distribuição estipulados na reforma tributária fizeram com que Bahia, São Paulo e Minas Gerais ficassem com as maiores fatias do fundo.
O texto do projeto de lei prevê que os estados possam entregar parte ou todo o fluxo de recebíveis do FNDR como moeda de pagamento de suas dívidas com a União.
A medida é uma alternativa à entrega de outros ativos, como empresas estatais, imóveis ou créditos da dívida ativa (devidos pelos contribuintes), que o texto também autoriza. Porém, representantes dos próprios estados consideram essa medida de difícil operacionalização.
A federalização de empresas estatais, por exemplo, depende de acerto com a União em torno do interesse na operação e do valor de avaliação do ativo —sobre o qual pode haver divergências, com risco de a União rejeitar a transferência.
Apoio aos menores
Davi Alcolumbre também decidiu atender às regiões Norte e Nordeste com o fundo de investimentos a ser abastecido pelos estados mais endividados como contrapartida ao alívio nos juros pagos à União, o Fundo de Equalização Federal.
Os estados que tiverem alívio na dívida precisarão:
- Destinar entre 1 e 2 pontos percentuais da dívida, relativo a parte da redução dos juros, ao fundo. O montante exato vai depender da fórmula de adesão: nas situações em que houver a entrega de ativos para abater o passivo, o repasse ao fundo ficará menor.
- Além disso, 80% dos recursos serão distribuídos segundo os coeficientes do FPE (Fundo de Participação dos Estados), que recebe parcela de impostos federais e prioriza transferências a estados com menor renda per capita.
- Outros 20% vão ser repartidos pelo inverso da relação entre endividamento e RCL (receita corrente líquida) —quanto menos endividado, mais beneficiado será o estado.
Os dois critérios resultarão na preferência a estados do Norte e Nordeste na distribuição dos recursos.
Durante a sessão, Pacheco defendeu a aprovação do projeto. “Eu invoco, inclusive, um princípio constitucional de cooperação federativa. Há estados que precisam da ajuda de estados não endividados neste momento”, disse.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias