Artigo: Inflação em baixa, hora de pensar no resto

Os economistas do ICL Deborah Magagna e André Campedelli avaliam que já passou da hora de o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, olhar de modo mais abrangente para a economia, reduzindo a taxa Selic.
17 de julho de 2023

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

A cada novo dado divulgado em relação à inflação, fica claro que ela deixou de ser um problema neste momento na economia brasileira. O último dado oficial levantado, o IPCA de junho, mostrou inclusive uma deflação, com queda nos preços dos alimentos e dos combustíveis, os principais vilões da inflação nos últimos anos. Então, parece claro para todos que essa não deve ser a preocupação econômica do Brasil agora. A taxa de juros, que nada tem a ver com a queda inflacionária, precisa urgentemente cair. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, precisa começar a olhar para o resto da economia e deixar de lado agora suas “preocupações” com a inflação.

Existem diversos outros problemas a serem corrigidos na economia brasileira, principalmente em relação à economia urbana. O agronegócio vai muito bem, com expectativa de safra recorde ao final do ano, com um amplo financiamento via Plano Safra e com perspectiva cada vez maior de ser o elemento que vai impulsionar o PIB deste ano. Mas os demais setores da economia vêm sofrendo, principalmente devido à política monetária atual do Banco Central, e isso precisa urgentemente ser observado.

Comecemos pela indústria. O processo de desindustrialização da economia brasileira parece cada vez mais evidente. O último mês mostrou um alívio com a alta de produção de bens de capital e produtos duráveis, mas os dados acumulados no ano e em 12 meses mostram ainda um setor altamente frágil, que precisa de uma atividade econômica urbana acelerada para que se possa retomar um crescimento. Esses bens são caros e geralmente são obtidos mediante financiamento, que está extremamente caro também devido à alta taxa de juros praticada. Sabendo que a Selic é a base das demais taxas praticadas, uma queda em seu nível já ajudaria a destravar um pouco a aquisição desses tipos de bens.

Outro setor que vem sofrendo muito neste ano é o comércio. As pessoas não estão comprando, seja pela falta de renda extra, seja pela dificuldade em financiar bens mais caros, como eletrodomésticos, automóveis, móveis etc. A falta de vendas no varejo atrapalha também a indústria, pois não adianta nada produzir se não haverá a venda da produção. E novamente temos a Selic como fator de entrave para isso.

Com uma Selic mais elevada, a taxa de lucro que as empresas precisam obter para ser vantajoso produzir se torna bem mais elevada, o que reduz o ímpeto da produção. Além disso, com uma taxa elevada de juros, fica difícil para o trabalhador brasileiro conseguir adquirir um bem de maior custo, pois ele vai precisar parcelar essa compra, e com tais juros abusivos, não será uma compra barata.

Programas como o incentivo de venda de veículos e agora a possibilidade de um programa similar para a chamada “linha branca”, que são os eletrodomésticos de cozinha e lavanderia, ajudam a aquecer o setor, mas sabemos que eles são temporários e a demanda por esse tipo de bem está bastante reprimida. Os brasileiros estão precisando trocar seus eletrodomésticos, porém com uma renda tão baixa há tanto tempo, fica difícil tal aquisição, e cada vez eles postergam mais suas compras, esperando uma melhor condição.

A melhora da condição do ambiente para facilitar a aquisição desses bens passa pela queda da taxa de juros. Uma Selic nesse patamar (13,75% ao ano) desestimula a economia como um todo, reduzindo o nível ideal de emprego e renda, ao mesmo tempo que encarece o crédito para aquelas pessoas que desejam consumir, atrapalhando o setor do varejo como um todo. Então, para a próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), é urgente que ocorra uma mudança desse cenário.

O setor que vem sofrendo menos no momento é justamente aquele que depende menos da Selic para sobreviver, que é o de serviços. Os serviços geralmente são pagos à vista ou em uma única parcela de crédito. É o lazer do brasileiro, que atualmente tem que tomar a difícil decisão de comprar algo para si ou de se divertir um pouco no final de semana. Por ora, a escolha está sendo mais para a diversão, o que é completamente justificável. Mas é preciso que o brasileiro tenha no futuro a opção de se divertir ao mesmo tempo que possa comprar os bens que deseja no varejo.

Fica cada vez mais claro que nem a desculpa de uma inflação elevada o Banco Central tem mais para manter a Selic nessa magnitude. A inflação passou de ser uma dor de cabeça para o brasileiro, que agora enfrenta outros problemas, como a falta de renda, emprego de qualidade e a possibilidade de gastar seu dinheiro no comércio.

A Selic alta, sob a justificativa de controlar a inflação, acaba desestimulando a economia, e a economia brasileira agora precisa de estímulo para a economia urbana. Já passou da hora de mudar essa situação e o limite é a reunião do Copom em agosto. É impensável que o comitê tome outra atitude que não seja começar o ciclo de queda da Selic.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

 

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