Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Um sinal amarelo foi ligado na América Latina após as prévias ocorridas na Argentina na semana passada. O candidato de extrema-direita e ultraliberal Javier Milei foi o grande vencedor das prévias, superando a direita tradicional e a esquerda peronista, que mesmo se utilizando de um personagem tido como centrista, teve pouco êxito. Milei fez a mesma estratégia de Bolsonaro, se vendendo como um candidato fora do sistema, e que está lá para fazer as mudanças necessárias para modernizar a Argentina.
Podemos dizer que Milei é um personagem completamente insano, e mesmo com boa parte da imprensa liberal tentando disfarçar isto, buscando alguma desculpa para abraçar novamente o fascismo mesmo com todos os sinais à sua frente mostrando o quão perigoso ele é, tudo em nome de combater o perigo peronista novamente.
As ideias dele são resultado da teoria ultraliberal austríaca, em especial o economista americano Murray Rothbard, chamado o pai do movimento anarcocapitalista, que acredita que o mercado seria capaz de regular a vida geral das pessoas, e que o estado só resulta em atraso do desenvolvimento econômico e social. Para isso, não seria necessário um Banco Central, a polícia poderia ser privatizada em forma de diversas empresas de segurança e até mesmo a justiça poderia ser algo particular, com as pessoas buscando o juiz mais `’competente” para analisar os contratos firmados entre os diversos agentes econômicos.
Entre estas insanidades propostas, temos a ideia de que a moeda é a última fronteira que faz com que atualmente o estado seja necessário. Sendo assim, quando se puder criar um sistema de moedas privadas, o estado poderia ser facilmente abolido. Por fim, temos uma das visões mais bizarras desta escola, de que qualquer estado que busque regular, por menor que seja, a vida das pessoas, deve ser observado como um estado socialista, tentando mostrar que somente a liberdade plena da ação humana poderia ser considerada algo capitalista.
E com esse arcabouço de ideias é que Milei forma seu discurso. Já falou que dispensa a utilização de uma moeda própria, e que prefere dolarizar a economia para não ter dor de cabeça em atuar com política monetária. Além disso, pretende acabar com o Banco Central, já que este só teria utilidade caso a moeda continuasse a ser o peso. Para além disso, ele pretende enxugar ao máximo o estado argentino, fechando ministérios importantes, até mesmo de saúde e educação, privatizando tudo o que for possível, e só mantendo pastas que sirvam para manter o poder policial e militar do governo argentino.
Se não fosse o suficiente, o candidato ainda deu declarações sobre como será sua atuação em relações institucionais. Planeja sair do Mercosul, pois os seus membros são compostos apenas por governantes socialistas, pretende encerrar o comércio entre Argentina e China, comparando os chineses à assassinos e bandidos, além de falar que somente vai possuir relações institucionais com países considerados superiores e com bons valores, como os europeus e os Estados Unidos. Se alguém acha que parece uma boa ideia abandonar relações com os dois maiores parceiros comerciais (Brasil e China), essa pessoa precisa de ajuda.
Temos então um candidato que faz com que Paulo Guedes pareça um economista marxista, e que é tão ou mais lunático que Bolsonaro. Um personagem que vive de falar palavrões para um público jovem desesperançoso e de vender uma ideia impossível de mundo fantasioso. Espero que os argentinos não façam uma escolha tão terrível assim nas próximas eleições, mas caso façam, que esperem pela tragédia em pouco tempo.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira