Com lobby da bancada ruralista, texto do pacote do veneno autoriza em larga escala novos agrotóxicos no país

PL em tramitação no Senado centraliza decisões sobre liberação de produtos no Ministério da Agricultura, deixando Ibama e Anvisa apenas como órgãos consultivos
5 de junho de 2023

Se aprovado, o pacote do veneno que tramita no Senado pode liberar a aplicação de novos agrotóxicos no Brasil em larga escala. O PL (Projeto de Lei) 1.459/2022, defendido pelo lobby ruralista no Congresso, centralizaria apenas no Mapa (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento) a decisão pela liberação de novas substâncias.

Hoje, a liberação de agrotóxicos passa também pelo crivo do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que passariam a ser órgãos apenas consultivos.

Um estudo realizado pela professora aposentada Sonia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostra que os agrotóxicos cancerígenos e desreguladores endócrinos estão entre os mais vendidos no Brasil em 2020 e 2021. Engenheira química especialista no tema, ela partiu de dados dos relatórios de comercialização desses produtos referentes a 20 de março passado, fornecidos pelo Ibama.

Em dezembro do ano passado, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado já havia aprovado o PL que facilita a autorização de  agrotóxicos. O colegiado também havia aprovado pedido para que o projeto fosse analisado com urgência pelo plenário da Casa. O texto passa agora por nova análise do Senado, após ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro do ano passado.

Segundo levantamento do observatório “De olho nos ruralistas”, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, as multinacionais fizeram lobby para forçar o governo a flexibilizar regras para autorização de agrotóxicos.

Ruralistas reclamam que o trâmite de hoje é longo. Mas 2.182 novos agrotóxicos foram autorizados durante a gestão Bolsonaro, o maior número de registros em um mandato desde 2003.

Ambientalistas alertam que pacote do veneno libera produtos com substâncias cancerígenas, com graves riscos à saúde

De seu lado, ambientalistas criticam que o PL acaba com o veto a produtos que contenham substâncias cancerígenas. Caso a lei seja aprovada, essas substâncias seriam passíveis de autorização desde que não haja “risco inaceitável”.

“Se já foram 2 mil autorizações em quatro anos, com a atual política de aprovação, imagina modificando isso”, disse Tatiana da Silva Pereira, bióloga e ecotoxicologista da Universidade Federal do Pará (UFPA), ao jornal O Globo. “O que vejo como os maiores problemas são a centralização da liberação no Mapa, dando à Anvisa e ao Ibama apenas caráter consultivo, além da aprovação automática de um produto caso a análise ultrapasse o período de dois anos”, completou.

Pela lei atual, um novo agrotóxico só é liberado para comercialização e aplicação no Brasil após pedidos independentes feitos pela empresa à Anvisa, Ibama e Mapa. Cada órgão analisa separadamente de acordo com seu campo de competência. Porém, o novo texto diz que esses órgãos continuam com responsabilidade, mas não teriam mais poder decisório, pois a decisão final seria apenas do Mapa.

O PL também traz outros gatilhos que aceleram a autorização de agrotóxicos, como a liberação automática após dois anos de análise; a liberação de pesticidas para uso próprio em determinadas situações; e a permissão de um registro temporário desde que as substâncias sejam vendidas em pelo menos três países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Para Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura do Greenpeace Brasil, o “texto não tem solução”. “Os artigos mais críticos são justamente os que a bancada ruralista mais quer. Permitir substância cancerígena vai aumentar a quantidade de produtos à venda, então é do interesse deles. Mesmo que a gente suprima alguns pontos, não vai adiantar, porque não tem como voltar a ser o original, o projeto já foi alterado e reconfigurado, está revogando toda uma lei”, disse ao O Globo.

O projeto foi criado em 1999, pelo então senador Blairo Maggi. O texto passou pela Comissão da Agricultura e agora está na Comissão do Meio Ambiente do Senado, com relatoria do senador governista Fabiano Contarato (PT), que prometeu um texto “equilibrado”.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defensor do projeto, reuniu-se na terça-feira passada (30) com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Após o encontro, ele disse que “excessos” acrescentados ao texto seriam ajustados e prometeu uma “análise técnica muito rigorosa”.

“Princípio básico: ninguém é a favor de produtos cancerígenos, ninguém é a favor da continuidade de produtos que afetem gravemente o meio ambiente”, afirmou após o encontro.

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e O Globo

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