O Centrão opera no Congresso Nacional para aprovar um projeto bilionário que prevê a construção de gasodutos no País. A proposta cai como uma luva para viabilizar projetos do empresário Carlos Suarez e seus sócios – hoje os únicos donos de autorizações para distribuir gás em oito Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Nesta terça-feira (10), a oposição se reuniu no Congresso para questionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), sobre a manobra do Centrão de impor a construção de milhares de quilômetros de gasodutos no País para viabilizar a implantação de usinas térmicas movidas a gás em regiões distantes. O tema ainda foi citado em reunião de parlamentares com o Tribunal de Contas da União (TCU), que demonstrou preocupação.
Faz parte dos planos do Centrão retirar R$ 100 bilhões do lucro com a exploração do pré-sal que teriam como destino o Tesouro Nacional e direcionar para quitar o custo das obras de construção de gasodutos. O valor se aproxima a tudo o que o governo tem para despesas com investimentos e custeio da máquina pública em 2022.
O TCU, contudo, teria dificuldade para agir em relação à manobra do Centrão, por se tratar de um assunto ainda restrito ao Legislativo, sem elementos para uma investigação imediata do tribunal de contas. Por isso, o movimento para questionar o “Centrãoduto” deve crescer primeiro no Congresso. A ideia é questionar o sentido disso e o que estaria por trás de tudo isso.
Construção de gasodutos vai entrar como “jabuti surpresa” em PL do setor elétrico
Desde 2015, já houve ao menos dez tentativas de criar o fundo para bancar a rede de gasodutos, conhecido como Brasduto, por meio de projetos de lei e medidas provisórias. Nenhuma teve êxito.
Desta vez, porém, empoderado pelo presidente Jair Bolsonaro, o Centrão acredita que tem voto suficiente para concretizar o plano apelidado no meio político de “Centrãoduto”. Um caminho para isso já foi traçado.
A proposta viabiliza o projeto de Suarez, ex-sócio-fundador da empreiteira OAS. Além das oito distribuidoras no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o empresário possui quatro autorizações para construção de redes de gasodutos.
O que ele não tem e precisa é a origem dos recursos que vão bancar os dutos para conectar regiões isoladas, onde vai ter gás, aos grandes centros, onde estão clientes potenciais. Para isso, o empresário e seus sócios precisam do Brasduto.
A articulação prevê que seja incluído um “jabuti” – termo usado para se referir a emendas que não têm relação com propostas originais – no Projeto de Lei 414, texto que trata de medidas de modernização do setor elétrico.
Na semana passada, o relator do texto, deputado Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), teve uma conversa reservada, na qual combinou os termos com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O que está por vir é um “jabuti surpresa”. Durante a votação da urgência do projeto, a emenda surgiria no texto, sem uma análise prévia dos deputados.
Centrãoduto vai encarecer custo da energia elétrica
As discussões ocorrem nos bastidores, porque o projeto é polêmico. A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), que tem entre seus membros companhias como Alcoa, Braskem, CSN, Gerdau, Nestlé, Suzano e Votorantim Cimentos, afirma que a construção de gasodutos, que se conectariam a usinas termelétricas, representa “um ônus elevado para todos os consumidores de energia elétrica, em um desenho ineficiente que cria privilégios para alguns empreendimentos de geração com características muito específicas, em detrimento de um planejamento de contratações baseadas em eficiência e modernização do mercado”.
A entidade reúne mais de 50 grupos empresariais responsáveis por quase 40% do consumo industrial de energia elétrica do Brasil e 42% do consumo industrial de gás natural. Outra crítica partiu do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), principal organização deste mercado e que reúne 27 associações. Em carta enviada ao deputado Fernando Coelho Filho, questiona os jabutis.
“É importante ressaltar os riscos recorrentes que os PLs (projetos de lei) do setor energético vêm sofrendo, com a inclusão dos chamados ‘jabutis’, como (…) a construção de gasodutos subsidiados pelo setor elétrico e/ou pelo Tesouro, com fortes impactos para os consumidores e/ou para os contribuintes brasileiros.”
Com os votos do Centrão, o Congresso incluiu, na Lei de Capitalização da Eletrobras, a obrigatoriedade de construção de usinas térmicas movidas a gás nos Estados onde suas distribuidoras atuam, além de Minas Gerais e Rio. O próximo passo é o “jabuti” do gasoduto.
O sinal vermelho também acendeu na oposição que reafirma as várias tentativas de aprovação do Brasduto há anos para atender interesses individuais.
Há críticas por conta do investimento em uma energia que, além de ser mais cara, é ambientalmente mais suja do que outras, como eólica e solar.
Com o “Centrãoduto”, o que se pretende é levar tubos de aço até áreas isoladas de grandes centros do País e, assim, viabilizar a construção de usinas movidas a gás nestas regiões. Essas tubulações seriam usadas para fazer o transporte do gás. O setor elétrico questiona a estratégia, porque, via de regra, não faz sentido levar gás para uma área remota, se a energia que será produzida com a queima desse insumo será redirecionada a grandes áreas urbanas, por meio de linhas de transmissão.
Vale destacar que, como já foi mencionado, Suarez detém participação nas distribuidoras de gás e é dono de autorizações para construir quilômetros de gasodutos, por meio de concessões de quatro grandes projetos conquistados com a Agência Nacional de Petróleo. Pelas regras atuais, os donos das distribuidoras não podem ser os mesmos que os dos gasodutos. O desfecho sobre esses projetos, portanto, ainda é uma incógnita.
Redação ICL Economia
Com informações do Estadão Conteúdo