Em golpe contra povos indígenas, Congresso derruba veto de Lula ao marco temporal. Lei ainda facilita a exploração econômica das terras sem consentimento dos povos

Decisão deixa terras indígenas mais desprotegidas que no governo de Jair Bolsonaro. Governo diz que Ministério dos Povos Indígenas vai acionar STF, que havia julgado a tese como inconstitucional.
15 de dezembro de 2023

O Congresso Nacional deu um duro golpe ontem (14) na população indígena do Brasil, ao derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Veto 30/2023) ao marco temporal para a demarcação de terras desses povos (Lei 14.701, de 2023), deixando-as menos protegidas por lei do que estavam no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Foram derrubados 41 dos 47 vetos que Lula havia imposto à lei do marco temporal, aprovada em setembro. Com isso, está valendo a regra de que os indígenas só têm direito a terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Senadores e deputados votaram o veto de maneira fatiada e devolveram à lei o trecho que dá nome ao projeto, ao definir as “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” como aquelas “habitadas e utilizadas” pelos indígenas para suas atividades produtivas na data da promulgação da Constituição.

Esse ponto específico foi analisado individualmente, por meio de destaque que recebeu 53 votos pela rejeição e 19 pela manutenção no Senado, e 321 votos pela derrubada e 137 pela manutenção na Câmara dos Deputados.

A lei prevê outras mudanças que também prejudicam os indígenas, além do marco temporal. Alguns trechos criam regras inéditas, que facilitam a exploração econômica das terras sem consentimento dos povos, dificultam novas demarcações e ameaçam as já consolidadas.

Com as mudanças aprovadas, a proteção às terras indígenas fica menor do que nos governos anteriores, desde 1988, ou seja, as gestões de Bolsonaro (2019-2022), Michel Temer (2016-2018), Dilma Rousseff (2011-2014), Lula 1 e 2 (2003-2010), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Itamar Franco (1992-1995), Fernando Collor (1990-1992) e José Sarney (1985-1990).

Apenas seis vetos de Lula foram acatados pelos parlamentares. Esses trechos permitiam o cultivo de transgênicos em terras indígenas, enfraqueciam a proteção a povos isolados e previam a perda do território em caso de “alteração dos traços culturais da comunidade indígena”. Mas perderam a validade, já que o Congresso aceitou o não do presidente da República.

O marco temporal teve origem em projeto de lei (PL 2.903/2023) apresentado pelo ex-deputado Homero Pereira (MT) e aprovado pelo Senado em setembro passado, sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), com 43 votos favoráveis e 21 contrários.

Contudo, o projeto foi vetado pelo presidente Lula, sob o argumento de que os vetos eram necessários em razão da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que considerou inconstitucional a tese do marco temporal das terras indígenas.

Governo diz que Ministério dos Povos Indígenas vai acionar STF contra decisão sobre marco temporal

Em nota enviada ao UOL, o governo informou que o STF (Supremo Tribunal Federal) é contra a lei e que o Ministério dos Povos Indígenas afirma que vai acionar a Suprema Corte para garantir a validade da decisão tomada por ela mesma, em setembro, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reforçou que a demarcação foi pacificada pela Constituição de 1988 e que o direito à posse da terra pelos povos originários foi também afirmado recentemente pela ampla maioria dos ministros da Suprema Corte.

“O presidente Lula aportou veto a esse tema com muita consciência de que esses povos vinham sendo desrespeitados em todos os seus direitos. Compreendemos que não há dúvida sobre o que está escrito no texto da Constituição. Por isso, nosso voto é ‘sim’”, declarou Randolfe, durante a votação.

Os parlamentares de oposição, por sua vez, defendem a tese de que, manter o veto traz insegurança jurídica.  Mas, obviamente, pesou durante a votação o lobby da bancada ruralista, como deixou claro o senador Marcos Rogério. “Não podemos viver em um país que desrespeite a tradição, que desrespeite a tradição jurídica. E esse é o momento em que o povo brasileiro, o setor produtivo, contava com o Congresso Nacional para derrubar o veto ao marco temporal e garantir segurança jurídica para quem está no campo produzindo, segurança jurídica para quem está na terra. Nós não queremos violência. Nós queremos paz no campo e paz para quem está trabalhando e produzindo alimentos para o Brasil e para o mundo”, disse.

Outra bolsonarista a votar a favor da derrubada do veto, a ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, Tereza Cristina (PP-MS), celebrou a decisão. “Hoje trouxemos a paz para o campo, a paz para as cidades, a paz para o Brasil.”

Redação ICL Economia

Com informações da Agência Senado e UOL

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