No Copom, presidente do BC foi o responsável pelo ‘voto de minerva’ que determinou redução menor da taxa Selic

Decisão foi pautada por um racha evidente no colegiado: de um lado, diretores indicados pela gestão Lula, que votaram em um corte de 0,50 p.p.; de outro, os indicados durante o mandato de Bolsonaro, incluindo o presidente do BC, que votaram pelo corte de 0,25 p.p. na Selic.
9 de maio de 2024

Chamou a atenção do mercado o placar acirrado na decisão anunciada ontem (8) pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, que reduziu a taxa básica de juros, a Selic, em 0,25 ponto percentual e não em 0,50 p.p., conforme indicado na ata da reunião anterior. Com nove membros, o voto decisivo para uma redução a um ritmo menor da Selic, para 10,50% ao ano, partiu do presidente do BC, Roberto Campos Neto, o último a votar.

Foram quatro votos pela redução em 0,50 p.p. – todos de diretores indicados pela gestão Lula 3 – e os demais, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), votaram pelo corte menor.

Votaram por uma redução de 0,25 ponto percentual Campos Neto (presidente), Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Otávio Ribeiro Damaso e Renato Dias de Brito Gomes. Votaram por uma redução de 0,50 p.p. Ailton de Aquino Santos, Gabriel Muricca Galípolo, Paulo Picchetti e Rodrigo Alves Teixeira.

Essa foi a segunda vez em menos de um ano que Campos Neto precisou dar um voto decisivo para definir o novo patamar de juros do país — e apenas a quarta vez em 20 anos. Nas outras duas vezes, o presidente do BC era Henrique Meirelles e o ano era 2007.

Levantamento realizado pelo economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, e divulgado pelo site g1, aponta ainda que, em duas décadas, apenas 34 reuniões tiveram divergência de votos, contando com o encontro de ontem.

A votação acirrada jogou no mercado uma dúvida de como deve ser, daqui para a frente, a condução da política econômica. O mandato de Campos Neto termina em 31 de dezembro deste ano e o grande cotado a assumir a vaga é Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC e ex-braço direito do ministro Fernando Haddad na Fazenda.

Bastou o racha no colegiado para o mercado financeiro começar com suas teorias. De um lado, há um posicionamento de que a saída de Campos Neto vai deixar a gestão da política monetária mais dovish, jargão do mercado para indicar uma política monetária mais frouxa, com juros menores e inflação média mais alta.

Por outro lado, há quem avalie a decisão do Copom como conservadora, como tem sido o tom do mandato de Campos Neto à frente da autarquia, com taxa de juros nas alturas por muito tempo. Isso porque, na avaliação desse grupo, os indicadores econômicos do país não justificam manter a Selic em patamar tão elevado.

Ontem, políticos e entidades criticaram o corte de 0,25 ponto da Selic. Em postagem na rede social X (antigo Twitter), a presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffman (PR), classificou de crime a diminuição dos juros em apenas 0,25 ponto. Gleisi Hoffman também criticou a autonomia do Banco Central (BC) e a manutenção de membros deste banco indicados pelo governo anterior.

“É um crime contra o país a decisão do Copom, de cortar apenas 0,25 ponto da maior taxa de juros do planeta. Não há fundamento econômico para isso e houve divergência de quatro diretores nessa decisão.  A inflação está sob controle e em queda, o ambiente de investimentos melhora, os empregos também. O nome disso é sabotagem. Contra o desenvolvimento, contra o Brasil. Esta é a consequência da ‘autonomia’ do BC, que permitiu o prolongamento do mandato de uma direção bolsonarista, que faz política e oposição ao governo eleito pelo povo”, postou a parlamentar.

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a decisão do Copom não reflete o cenário atual de inflação, que está em queda e desacelerou em março. Nesta semana, a CNI tinha pedido que o BC cortasse os juros básicos da economia em 0,5 ponto percentual.

“Essa decisão é incompatível com o atual cenário de inflação controlado e torna impraticável continuar o projeto de neoindustrialização do país com altos níveis de taxa de juros. Reduzir o ritmo de corte da taxa básica tira a oportunidade de o Brasil alcançar mais prosperidade econômica, aumento de emprego e de renda”, afirmou em comunicado o presidente da entidade, Ricardo Alban.

Muito mais do voto dividido no Copom, preocupa o mercado a falta de um forward guidance

Na justificativa para um corte menor, o Copom enfatizou, no comunicado divulgado com a decisão, que “reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.

Outro aspecto que chamou a atenção é que o colegiado sequer seguiu o forward guidance (estimativas dadas pelo próprio BC sobre o futuro da política monetária) anterior, que indicava ao menos mais uma redução de 0,50 ponto percentual na reunião de maio, ou seja, na de ontem.

Além disso, o Copom também não sinaliza sobre o futuro. Ao blog da jornalista Míriam Leitão, em O Globo, Beto Saadia, economista e diretor de investimentos da Nomos, salientou que ficou evidente no texto a falta total de sinalização futura, ou seja, o guidance foi retirado por completo.

“Estamos no escuro agora em relação ao próximo Copom, ou seja, a próxima reunião vai ser baseada nos dados que vierem agora porque sinalização do Banco Central a gente já não tem mais. Era um desejo também de alguns diretores do Banco Central retirar o guidance, justamente para não comprometer o caminho da queda de juros”, pontuou.

À mesma coluna, Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, avaliou que o próprio Campos Neto, em suas falas entre as reuniões do Copom, já estava, de certa forma, tirando esse guidance e deixando a decisão mais baseada nos dados de inflação e atividade, por exemplo, a cada reunião.

Para ela, a cisão da diretoria, com o placar de 5 a 4, realmente chamou bastante a atenção. “A gente via ainda um discurso com alguma unicidade, digamos assim, entre eles, mas a impressão que dá é que houve uma cisão, realmente, entre, digamos, o novo Copom e o velho Copom. Isso é bastante ruim e pode ter um impacto no mercado na curva longa”, avaliou.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não quis comentar nesta quinta-feira (9) o “racha”, ou seja, a divisão, na diretoria do Banco Central sobre a taxa básica de juros da economia, a Selic.

“Eu vou esperar a ata [do Copom, que sai na terça-feira da próxima semana], acho que a ata pode esclarecer melhor o que passou. O comunicado está muito sintético”, declarou o ministro Fernando Haddad.

Redação ICL Economia
Com informações do g1, de O Globo e da Agência Brasil

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