O governo brasileiro acaba de publicar decreto com as bases para a criação de um mercado de carbono no País. Em uma página, o texto trata de um sistema que vem pautando a discussão climática no mundo todo, mas deixa lacunas sobre sua execução. O modelo de precificação de carbono, que está sendo desenhado, tem diversos pontos em aberto, principalmente em relação aos prazos, metas e a definição dos setores que devem reduzir as emissões.
Por enquanto, o decreto apenas estabelece os procedimentos para a elaboração de planos setoriais de mitigação e institui o Sinare (Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa), que deve funcionar como uma central para registros de emissões, reduções, compensações e transações de créditos.
O texto também fixa a governança dos sistemas, dividida entre Ministério da Economia e Ministério do Meio Ambiente, e apresenta a definição de ativos como crédito de carbono e crédito de metano.
Considerando o fato de que países da Europa, China, Nova Zelândia e Cazaquistão já apresentarem um mercado de carbono regulado, especialistas no Brasil dizem que o atual decreto chega com atraso e apresenta uma série de problemas.
Segundo avaliação do Instituto Clima e Sociedade (ICS), o decreto propõe uma regulação voluntária por não impor obrigação de redução e cortes das emissões. Importante ressaltar que os efeitos das mudanças climáticas são cada vez mais levados em consideração nas avaliações de risco econômico e o Brasil já sofre consequências pela falta de medidas de controle em relação ao meio ambiente.
Impor um teto de gases de efeito estufa para determinados setores deveria ser um dos pontos centrais num mercado de carbono regulado, incluindo aí a concessão de licenças. E, para poluir acima da cota, seria preciso comprar mais permissões, que são vendidas por companhias que conseguiram cortar seus gases de efeito estufa. Trata-se de uma obrigação legal.
Na avaliação do professor e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV/Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas), Guarany Osório, a medida anunciada pelo governo federal não versa sobre nada disso. “Pelo documento, quem gera crédito não será obrigado a gerar e quem compra não é obrigado a comprar. O documento apenas coloca o tema na agenda de discussão”, disse Guarany Osório em reportagem publicada pela Folhapress, agência de notícias da Folha de S. Paulo.
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) criticou diversos pontos do texto em carta publicada no dia 26 de maio. O grupo reúne algumas das maiores empresas do país, como Vale, Petrobras, JBS e Itaú, e defende a regulamentação de um mercado de carbono. Na carta, o grupo pede prazos, mais transparência na posição mandatória dos setores econômicos regulados, consequências para o descumprimento de metas, por exemplo.
O decreto apenas aborda a elaboração dos planos setoriais com metas gradativas de redução de emissões, considerando as especificidades de cada setor. As metas também precisarão observar a NDC brasileira (compromisso climático no âmbito do Acordo de Paris).
Segundo o texto, os setores poderão apresentar propostas para as curvas de redução de emissões num prazo de 180 dias – prorrogável por mais 180 dias, mas sem obrigatoriedade para algum segmento econômico.
Decreto publicado sobre mercado de carbono provoca insegurança jurídica
Alguns advogados consultados pela Folhapress afirmaram ter dúvidas sobre como o decreto vai funcionar e explicaram que os setores precisam de metas de redução de emissões para vender para a Europa, por exemplo. Alguns players de um mesmo setor apresentam diferentes graus de maturidade na área ambiental. Portanto, o desafio seria encontrar uma meta que todos podem pagar.
Outro problema do decreto, na visão dos especialistas, é a falta de prazos. Não há um cronograma claro. Consta apenas os 360 dias para os setores enviarem sugestões sobre suas curvas de emissões.
Também é um preciso considerar que a criação de um mercado regulado de carbono no modelo cap and trade, defendido pelos especialistas e por boa parte do setor privado, vem sendo discutida desde o ano passado no Congresso Nacional.
O fato é que a medida de regulação do mercado de carbono está atrasada no Brasil. A lentidão do governo em lidar com o tema prejudicou, inclusive, uma parceria com o Banco Mundial para implementar o mercado de carbono. O governo federal tinha em mãos, desde o final de 2020, um estudo detalhando a necessidade de criar um mercado de carbono no país. No entanto, o projeto não avançou, e o país perdeu apoio estratégico do banco.
Redação ICL Notícias
Com informações das agências de notícias