Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
A semana passada foi de comemoração para Paulo Guedes e sua equipe. Números não sonhados para a pasta da economia foram alcançados, já que o PIB cresceu 1,2% no segundo trimestre, chegando a um acumulado de 2,5%. As previsões do PIB para o final do ano começaram a elevar e o mercado financeiro deve aumentar ainda mais seu otimismo acerca do cenário econômico de 2022. Ao mesmo tempo, a deflação ocorrida em julho, que deve se repetir em agosto, amenizou o principal problema econômico dos últimos anos, e o desemprego, que vinha crescendo desde que o governo Temer passou a ter números abaixo dos 10%. Tudo isso será usado em campanha e Bolsonaro deve se orgulhar de poder apresentar números não positivos, mas melhores do que ele mesmo imaginava a esta altura da campanha.
Mas qual o motivo de sentimentos tão distintos entre o povo e a elite na economia? Num país onde o desemprego e a inflação se reduzem e a economia cresce, deveria acontecer algum sentimento de melhora, mas isso não acontece. O motivo é mais fácil de se entender do que imaginamos, é que tal melhora não alcançou de fato a maior parte da população, que ainda convive com o medo do desemprego, em postos de trabalhos extremamente precarizados e vendo o preço dos alimentos consumindo quase toda a sua renda.
Após a reforma trabalhista, foi instituído quase que oficialmente que os ganhos econômicos dificilmente fossem repassados aos trabalhadores. A economia pode estar melhorando, mas a renda média continua baixa e quase estagnada, os salários quando reajustados mal conseguem recompor a inflação passada e a qualidade do emprego das pessoas está cada vez menor. Além disso, o salário mínimo, fonte de remuneração da maior parte dos trabalhadores brasileiros, não foi aumentado nenhuma vez durante o governo Bolsonaro. Então isso mostra que basicamente todo o ganho econômico que veio, ficou no andar de cima da sociedade, com algumas migalhas espalhadas para os andares de baixo. E sim, isso só foi possível com o enfraquecimento dos sindicatos e das formas cada vez mais criativas e precarizadas de trabalho que vem surgindo na economia brasileira dos últimos anos.
Além disso, no caso da situação inflacionária, a mais comemorada de longe pelos economistas do governo, que falaram, inclusive algumas inverdades, como ela estar menor do que a inflação americana e alemã para justificar o otimismo. No caso alemão, o acumulado em 12 meses chegou a 8,8% e em nos Estados Unidos a alta foi de 10,07%, já o nosso acumulado em 12 meses está exatamente igual ao dos Estados Unidos, em 10,07%. Ou seja, não somos melhores do que estes países. A diferença é que o ritmo inflacionário brasileiro se reduziu em decorrência do preço dos combustíveis, mas, pelo menos nos Estados Unidos, a queda também deve ocorrer nos próximos meses.
Mas o que importa para a maior parte da população é a inflação de alimentos. Ainda que os combustíveis tenham um forte peso em todas as faixas de renda, seu peso é mais expressivo no consumo das faixas médias e altas de renda. Enquanto para as faixas mais baixas, os alimentos que mais pesam. E neste ponto o país ainda apresenta graves problemas. O último levantamento mostrou um aumento de 1,6% no mês de julho, o que demonstra uma forte pressão inflacionária vinda do grupo.
Logo, quando as pessoas vão no mercado, elas não conseguem observar essa deflação tão comemorada na economia, o que elas veem é um carrinho de compras cada vez mais caro semana após semana. E mesmo que pare de subir, ele já está excessivamente caro, e vai demorar um tempo até que a renda dos brasileiros seja recomposta ao ponto de que este peso não seja mais sentido. Por isso, a sensação é de incômodo, e não poderia ser diferente. Para as pessoas que conseguem comprar alimentos sem olhar o preço na gôndola, a situação realmente está melhor, mas para a grande maioria do povo, o sentimento não vai mudar tão cedo.
É preciso admitir, que surpreendentemente, inclusive para muitos analistas de mercado e até pro próprio governo, os números da economia estão melhores que o esperado. Mas isso não quer dizer que a vida das pessoas melhorou. Elas continuam em empregos de péssima qualidade, com pouca renda, sem perspectiva de melhora na economia, e pagam caro para comer o básico. Então para as pessoas comuns, os trabalhadores, para nós, o PIB ter crescido 1,2% faz pouca diferença, pois não sentimos melhora nas nossas vidas nos últimos seis meses. O que vimos é que o andar de cima está garantindo todo o ganho econômico para si, enquanto aos outros, sobram os números, e nada mais.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira