Na semana passada, o ex-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes, publicou um tuíte em seu perfil oficial na rede X (antigo Twitter) fazendo acusações muito graves contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por conta do pagamento dos precatórios, uma bomba armada deixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seu ex-ministro da Economia, Paulo Guedes.
Depois da postagem de Ciro, Lula e Haddad começaram a sofrer sérios ataques no tribunal da internet. Para colocar os pingos nos is, o economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, abordou o tema, de modo bem didático, no ICL Notícias 1ª edição da última sexta-feira (15).
No mesmo dia, o professor de economia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e comentarista de economia do ICL, André Roncaglia, também falou do tema no programa Em Detalhes, transmitido diariamente no canal do ICL no YouTube.
Sobre as denúncias de Ciro Gomes, o jornalista Luís Nassif, também comentarista do ICL, comentou o tema em artigo que você pode ler clicando aqui.
Sobre a denúncia de Ciro, Moreira disse que coloca a “mão no fogo pelo Fernando Haddad – eu conheço o Fernando Haddad pessoalmente, um dos caras mais honestos e corretos que eu conheço”. Ele, que também conhece pessoalmente o presidente Lula, não acredita que o presidente tenha algo a ver com essa história.
Antes de prosseguir, é preciso compreender alguns conceitos, os quais seguem abaixo:
- Precatórios: são títulos de dívida em ações já julgadas e transitadas em julgado (ou seja, não há mais como recorrer) contra entes públicos (União, estados e municípios). Portanto, nascem das ações judiciais.
- Indústria do precatório: nasce quando o governo atrasa o pagamento do que deve. Aí, quem precisa de dinheiro vende para o especulador (aqui, muitos bancos de investimentos) com descontos.
- Governo Bolsonaro: na gestão Bolsonaro foi aprovada a PEC do Calote. Tratam-se das Emendas Constitucionais (ECs) 113 e 114/2021, promulgadas em dezembro de 2021 – por influência de Paulo Guedes -, que alteraram a Constituição Federal em diversos pontos, principalmente em relação ao pagamento de precatórios e ao Novo Regime Fiscal.
Essas emendas contribuíram para o governo Bolsonaro levar à frente seu projeto eleitoreiro de turbinar auxílios em anos eleitorais para tentar faturar a eleição em 2022.
As emendas dificultaram o pagamento dos precatórios e de RPVs (Requisições de Pequeno Valor) com a criação de um teto anual para os pagamentos, equivalente a um percentual da receita corrente líquida dos entes federativos. Ou seja, a dupla Bolsonaro-Guedes deixou uma bomba no colo do governo Lula, que tratou de pagar a fatura no ano passado.
Precatórios: Eduardo Moreira explica onde está o nó
“Quem decide quem tem razão é o Poder Judiciário. Se você ganha o processo, o Estado tem que lhe pagar a indenização, e essa indenização que o Estado tem que pagar, para poder padronizar isso, criou-se um título judicial que tem um nome: precatório. O precatório é uma requisição da Justiça para que o Estado pague uma indenização. Estamos falando de processos que podem ser R$ 10 mil ou R$ 10 bilhões”, disse.
Segundo Moreira, que já foi chefe da área de precatórios do maior banco de investimentos do Brasil, essas dívidas de precatórios são alvo de cobiça do mercado financeiro.
Há uma engenharia que permite que esses entes comprem essas dívidas com deságio do beneficiário, que acaba cedendo porque pode esperar uns 20 anos para receber essa dívida. E esse mecanismo foi turbinado quando Bolsonaro decidiu dar o calote.
“O Bolsonaro precisava de R$ 100 bilhões para comprar a eleição, com auxílios para família, caminhoneiro, taxistas, crédito consignado do Auxílio [Brasil]. E o que ele fez? Não pagou a dívida [dos precatórios], ele deu calote. O STF [Supremo Tribunal Federal] ‘canetou’, mas a ideia não foi do STF – foi do Paulo Guedes. O que aconteceu com os preços dos títulos? Desmoronou. Esses títulos passaram a valer muito pouco. E o que o governo Lula fez? O correto, ele pagou”, disse.
Segundo Moreira, esse calote do governo Bolsonaro alimentou o mercado. Os bancos, especialmente os de investimentos, compraram “enormes quantidades desses papéis com enorme deságio!”. “Quando o governo decidiu pagar, os preços desses precatórios explodiram, então quem tinha esses títulos ganhou uma fortuna. Metade deles era de natureza alimentar [aposentadorias e pensões do INSS, por exemplo] e metade de natureza não alimentar [desapropriações, por exemplo]”, explicou.
O efeito disso pode ser constatado nos balanços de algumas dessas instituições, segundo Moreira. “Na linha ‘precatórios’, está lá atestado. Tem patrimônio de banco que pulou de menos de R$ 20 milhões para quase R$ 2 bilhões. Tem banco que multiplicou lucro por mais de cinco vezes”, criticou.
André Roncaglia: ‘Paulo Guedes montou arranjo dos precatórios para fomentar ativos do Estado’
Na avaliação do economista André Roncaglia, Ciro Gomes não apontou o ponto mais crítico dessa história: o mecanismo criado por Paulo Guedes para fomentar os ativos do Estado.
“O Paulo Guedes montou esse arranjo dos precatórios com um motivo muito claro em mente, que era usar precatórios para adquirir ativos do Estado. Veja como funciona o jogo: sai uma quantidade enorme de precatórios, vai um grande banco, um grande fundo de investimentos [e não estou falando de banco comercial, estou falando de banco de investimentos], e ele vai lá, adquire esses precatórios a um preço muito baixo prometendo um preço muito elevado e, com esse dinheiro, esse ativo, ele vai lá e compra ações do Estado”, disse.
Segundo Roncaglia, na época da privatização da Eletrobras, em 2020, havia informações dizendo que R$ 8 bilhões em precatórios comprariam R$ 43 bilhões em ações da Eletrobras. “Olha o salto de valor, exatamente porque é um excelente negócio! Você compra esse precatório a um preço muito baixo, mas, quando você vai trocar em ativo do Estado, você troca pelo valor cheio”, disse.
“Este é, na minha visão, o real escândalo! Este é o escândalo que estava colocado e que o Ciro [gomes] não apontou”, criticou.
Ele ainda lembrou que, em agosto do ano passado, o próprio ministro Fernando Haddad apontou para a necessidade de se colocar limites no quanto os bancos e fundos de investimentos podem usar de precatórios para adquirir ativos do Estado.
O governo Lula, segundo ele, seguiu o que o próprio judiciário determinou, ou seja, todas as informações sobre o trâmite da questão do pagamento dos precatórios foi divulgada na grande imprensa, de modo que Roncaglia não acredita, como apontou Ciro, em possível vazamento de informações.
“Não há, em nenhum momento, na minha leitura, a possibilidade de ter havido vazamento de informação porque era algo de ampla publicidade. Não estou dizendo que estou correto, mas estou dizendo que as informações a que tenho acesso não apontam nenhum indício ou oportunidade de vazamento de informação sigilosa ou privilegiada. O resultado da decisão do Lula [de pagar precatórios] no mercado foi o seguinte: sabe aquele desconto que chegava a 50, 60% e que onerava o detentor do precatório? Ele caiu para 24%”, comentou.
“Não banalizar o estatuto da denúncia, para a gente não tornar esse ‘lavajatismo’ retórico, essa maneira de fazer do denuncismo vazio uma prática da nossa democracia, porque isso já causou muito mal à nossa democracia”, avaliou Roncaglia.
Para assistir ao comentário de Eduardo Moreira, clique no video abaixo:
Para ver o comentário de André Roncaglia, assista ao vídeo abaixo:
Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias 1ª edição e do Em Detalhes