Divergências sobre Guerra na Ucrânia deixam reunião de ministros de Finanças do G20 sem comunicado final

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) minimizou esse aspecto, dizendo que houve entendimento em torno dos temas específicos trabalhados na Trilha de Finanças. Nós não discutimos temas dos conflitos geopolíticos em nossas reuniões", disse.
1 de março de 2024

Sob a presidência temporária do Brasil, a reunião da Trilha de Finanças, que reúne ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do G20, terminou ontem (29), em São Paulo, sem um comunicado final por falta de consenso a respeito da Guerra Rússia-Ucrânia, embora esse não tenha sido o tema central dos debates.

Ontem, havia uma expectativa de que o tradicional comunicado, divulgado ao final desses encontros, trouxesse consenso a respeito dos desafios econômicos atuais, que envolvem combate à pobreza, economia verde, taxação de super-ricos. Mas a Guerra na Ucrânia acabou sendo o ponto de discordância e interferindo na divulgação final do documento.

O Brasil defendia que o tema não deveria entrar no comunicado do encontro econômico e que o fórum mais apropriado seria a reunião dos chanceleres do G20, que aconteceu na última semana no Rio de Janeiro — e que também não chegou a um consenso.

O texto que tinha consenso dos membros do G20 começava dizendo que os ministros enfatizavam a importância “da cooperação econômica internacional aprimorada para enfrentar desafios globais e promover uma economia mundial aberta e próspera”.

Porém, ao fim do trecho, uma nota de rodapé incluía entre os desafios globais a Guerra da Ucrânia. Mas os países do G7 queriam que o trecho se referisse à “guerra contra a Ucrânia” (“war on Ukraine”, em inglês, língua em que o comunicado é publicado). Já Rússia e aliados marcaram posição defendendo usar “guerra na Ucrânia” (“war in Ukraine”).

Isso significa que uma preposição, que muda o contexto da frase, foi o ponto de discórdia.

Com a falta de consenso, houve apenas a divulgação de um comunicado da presidência do G20, que, segundo o ministro Fernando Haddad, reflete as posições consensuais dos ministros, com exceção da nota de rodapé.

Segundo um membro da delegação brasileira ouvido pela Folha de S.Paulo, o nó foi mesmo a guerra da Rússia contra a Ucrânia, já que a Guerra de Israel na Faixa de Gaza foi mais consensual. Os países, segundo essa fonte, haviam concordado em tratar da “crise humanitária em Gaza”, sem mencionar Israel.

Apesar da falta de consenso, o documento divulgado pelo Brasil cita “guerras e conflitos” no geral como riscos para a economia global.

“Entre os riscos negativos para a atividade global estão guerras e conflitos em escalada; fragmentação geo-econômica; aumento do protecionismo; interrupções nas rotas comerciais; maior volatilidade nos preços das commodities, bem como nos fluxos de capital; dinâmicas inflacionárias adversas que levam a um aperto nas condições de financiamento; endividamento público e privado excessivo; redução da coesão social em decorrência do aumento da desigualdade; e aumento dos custos econômicos das mudanças climáticas”, diz trecho do comunicado.

G20: Haddad diz que “no que diz respeito à trilha financeira, houve consenso em tudo o que nós tratamos”

O ministro Fernando Haddad participou ontem pela primeira vez da reunião da Trilha de Finanças do G20, após testar negativo para Covid-19. Até então, a participação dele se deu de modo virtual.

Em entrevista à imprensa ontem à noite no encerramento da reunião, Haddad admitiu que não houve consenso entre os países do bloco para elaborar um comunicado conjunto sobre o evento.

Contudo, o ministro minimizou esse aspecto, dizendo que houve entendimento em torno dos temas específicos trabalhados na Trilha de Finanças, mas a falta de consenso recaiu quanto à referência sobre conflitos geopolíticos. “No que diz respeito à trilha financeira, houve consenso em tudo o que nós tratamos. Nós não discutimos temas dos conflitos geopolíticos em nossas reuniões. Isso não foi trazido para discussão em plenário. E aí fica muito difícil quando os ministros e os presidentes dos Bancos Centrais não participam da discussão, chegar a um consenso sobre um tema que não era e não foi tratado no âmbito da trilha financeira”, disse o ministro.

Na avaliação de Haddad, os conflitos geopolíticos que geraram o impasse deveriam ter sido tratados nos eventos diplomáticos – e não na Trilha de Finanças. “Esse comunicado da presidência é a expressão consensual daquilo que foi discutido no âmbito do fórum ao qual pertencemos. Nós havíamos nutrido a esperança de que temas mais sensíveis relativos à geopolítica fossem debatidos exclusivamente no track diplomático. Imaginávamos que essa divisão de trabalho pudesse acontecer. Mas como na reunião da semana passada, no Rio de Janeiro, não se chegou a uma redação comum, isso acabou contaminando o estabelecimento de um consenso na nossa, se tornou quase uma impossibilidade lógica. Se não foi possível lá, dificilmente iríamos chegar a uma solução satisfatória aqui”.

Questionado por jornalistas se a falta de consenso para a elaboração de um documento conjunto o deixou frustrado, Haddad respondeu que a “reunião [do G20] foi um sucesso, a trilha financeira foi um sucesso”.

“Fomos aplaudidos no resultado da reunião. O final da reunião foi apoteótico. Mas agora vamos trabalhar mais duro nessas questões onde houve dissenso”, afirmou.

Tributação de grandes fortunas

Haddad disse ainda que o Brasil espera concluir a presidência no G20, que termina em novembro deste ano, tendo encerrado os pilares 1 e 2 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico). Os dois pilares tratam da distribuição dos direitos de tributação sobre os lucros das multinacionais entre os países e o estabelecimento de uma tributação mínima global para essas empresas globais. “Nossa intenção é abrir um horizonte de discussões que passem por temas que não foram tratados”.

Durante a realização do G20 em São Paulo, Haddad chegou a propor um terceiro pilar: a tributação sobre os bilionários.

“Como os dois primeiros pilares, haverá muito debate a respeito disso [pilar 3], o que é absolutamente natural, até porque nem todo país sente da mesma maneira esse problema que foi trazido pelo G20 pelo Brasil. Há países bem equacionados em relação a isso e que não sofrem com a falta de regras internacionais sobre tributação. Em geral, [são] os países muito ricos”, explicou.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo, da Agência Brasil e do site do G20

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