A pressão do mercado para uma redução dos gastos do governo com o objetivo de que se cumpra a meta fiscal parece estar surtindo efeito, principalmente no que diz respeito às áreas sociais do governo Lula 3. Estudo do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) mostra que educação, agricultura familiar e reforma agrária estão entre os segmentos que receberam menos recursos do que deveriam no primeiro semestre deste ano.
Trecho do relatório “Balanço semestral do Orçamento da União: janeiro a junho de 2024” (clique aqui para ter acesso ao estudo), divulgado ontem (20), diz: “As informações são pouco alvissareiras. Com algumas exceções, no geral, os gastos estão muito aquém do desejado e, em certos casos, não há qualquer execução entre janeiro e junho deste ano. É claro que ainda há um semestre pela frente para melhorar o desempenho, mas se trata de um quadro que preocupa, porque grande parte das políticas públicas requer gastos contínuos, de modo a evitar interrupções ou atrasos nos atendimentos”.
A análise foi realizada por meio da comparação entre o orçamento previsto neste ano para diferentes projetos e ministérios no Plano Plurianual (PPA) 2024 – 2027 e o quanto já foi gasto efetivamente até junho.
O levantamento de despesas foi realizado por intermédio da plataforma Siga, por onde o governo federal descreve todos os seus gastos e os disponibiliza para de acesso público.
Entre as áreas que receberam menos recursos, está a educação. Apesar de os investimentos na totalidade terem atingido no período uma média de 50% do total orçado para 2024, dos R$ 342 milhões disponibilizados para a subfunção “Educação de Jovens e Adultos”, foram usados R$ 20,8 milhões, o que corresponde a menos de 6%.
Porém, o próprio Inesc enfatiza que a expectativa é que o valor aumente até dezembro, com o início do programa “Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens e Adultos, a Medalha Paulo Freire”.
Atualmente, 6% da população em meio urbano e 15% em meio rural é analfabeta, segundo o Inep. Já a média do analfabetismo funcional é de 12% no território nacional.
Na avaliação do Inesc, a dificuldade de coordenação entre os entes da União, regras fiscais que chamam de “leoninas” e a falta de investimentos no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estão entre as razões para o recebimento de menos recursos que o necessário.
Veja outras áreas sociais que aplicaram menos recursos do que deveriam, segundo o estudo
- Geração Distribuída de Energia: As únicas ações apontadas sobre o tema para este ano foram voltadas para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, com R$ 2,43 milhões autorizados. Contudo, nenhum valor foi investido até então.
- Povos indígenas: A ação “Regularização Fundiária, Proteção e Gestão dos Territórios Indígenas” executou no primeiro semestre um total de R$ 28,8 milhões, ante R$ 315,5 milhões autorizados. O programa “Saúde Indígena”, por sua vez, registrou gastos de R$ 1,04 bilhão, dos R$ 2,61 bilhões autorizados. Apesar de a proporção ser melhor neste caso, o Inesc avalia que a falta de investimentos em órgãos, como a Funai, nos últimos anos ainda impacta as capacidades de trabalho pelos povos indígenas.
- Governança fundiária, reforma agrária e regularização de territórios quilombolas e de povos e comunidades tradicionais: o gasto até o momento é de R$ 3,4 milhões, quando haviam sido autorizados R$ 144,3 milhões para 2024.
- Programas voltados para crianças e adolescentes: Receberam 28,7% dos R$ 85 milhões autorizados para este ano.
“A distância entre recursos empenhados e os efetivamente pagos sinalizam dificuldades estruturais para a realização de uma política indigenista no país, além da própria natureza dos gastos para essa população, que tendem a demorar mais para serem concluídos”, aponta o Inesc no documento.
“É bem provável que muitos desses atrasos ocorram pela dificuldade de estados e municípios se organizarem para receber o recurso federal por meio de convênios. Além disso, existe a necessidade de recompor as equipes de instituições desmontadas na gestão Bolsonaro”, complementa.
Regra fiscal engessa os gastos
O instituto também aponta que as regras fiscais são fator contribuidor para engessar os gastos nessas áreas. “Não se pode negar que o Brasil está gastando menos do que deveria ao obedecer uma austeridade fiscal a qualquer custo, prejudicando especialmente as pessoas empobrecidas, agravando o racismo e o sexismo. Diante das enormes dívidas do país nas áreas social, ambiental e climática, é preciso mais recursos públicos e não menos.”
Os economistas do ICL (Instituto Conhecimento Liberta) têm criticado constantemente o cumprimento a todo custo do arcabouço fiscal pelo governo devido às pressões do mercado financeiro, e o quanto esses agentes, com apoio da mídia, tentam fazer colar na sociedade a narrativa de que investir no social e melhorar o emprego e a renda são os causadores do desequilíbrio nas contas públicas e gatilhos para as pressões inflacionárias.
No primeiro semestre, o Governo Central acumulou um déficit primário de R$ 68,698 bilhões no primeiro semestre deste ano. Apesar de registrar uma receita líquida de R$ 1,051 trilhão – aumento de 8,5% em comparação com o mesmo período do ano passado -, a despesa total também cresceu.
De acordo com os dados do Tesouro Nacional, despesa total do semestre chegou a R$ 1,12 trilhão, alta de 10,5% sobre os R$ 973,397 bilhões registrados nos primeiros seis meses do ano passado.
Congelamento de gastos
Para cumprir a meta de déficit fiscal deste ano, em julho, o governo anunciou um congelamento de R$ 15 bilhões do Orçamento federal, a fim de cumprir a meta de déficit zero.
O congelamento atingiu as seguintes áreas:
- Educação: R$ 1.284.560.810;
- Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar: R$ 216.565.224;
- Povos Indígenas: R$ 12.476.328.
- Igualdade Racial: R$ 18.808.541;
- Direitos Humanos e da Cidadania: R$ 31.633.365.
Redação ICL Economia
Com informações da CNN