Governo muda regime de metas de inflação de ano-calendário para contínuo, após 24 anos

Decisão foi anunciada pelo Conselho Monetário Nacional, formado pela Fazenda, Planejamento e Orçamento e BC. Colegiado definiu meta de inflação para 2026 em 3% e manteve as de 2024 e 2025 inalteradas, o que foi bem recebido pelo mercado financeiro
30 de junho de 2023

O CMN (Conselho Monetário Nacional) anunciou ontem (29) mudança no regime de metas de inflação. A partir da mudança, o Banco Central deverá perseguir metas de forma contínua e não pelo ano-calendário (anual), como é feito há 24 anos. Porém, a medida só passa a valer em 2025, após o término do mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, em 31 de dezembro de 2024.

Além dessa mudança, o colegiado – formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda, que preside o CMN) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), e pelo presidente do Banco Central – determinou em 3% a meta de inflação para 2026, com intervalos de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, e manteve as de 2024 e 2025 no patamar previamente definido (3%).

De acordo com Haddad, a mudança no regime de metas é uma “decisão de governo”. O ministro disse que o CMN foi apenas comunicado sobre essa nova diretriz. “Essa decisão [sobre o sistema de metas] não cabe ao CMN. O que fiz hoje foi comunicar uma decisão de governo, que é de competência do presidente da República”, disse o ministro.

No anúncio, Haddad e Tebet deixaram claro que a decisão foi unânime, o que significa que houve concordância de Campos Neto. Haddad citou declarações do presidente do BC de que a meta contínua seria mais “eficiente” do que o formato atual. Tebet disse também que não houve objeção da autoridade monetária. “Os votos foram por unanimidade.”

Ao explicar por que a medida passa a valer só em 2025, Haddad disse: “Por que a partir de 2025? É quando começa o mandato de um novo presidente, decidimos alterar o regime para horizonte contínuo a partir dessa data”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem criticado a gestão de Campos Neto à frente do BC, devido às decisões a respeito da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, precisa editar um decreto para formalizar a mudança, mas o ato ainda não tem data para sair, pois depende de ajustes finais no desenho do modelo a ser adotado.

Tanto Haddad quanto Lula são críticos do regime de metas atual, que acaba obrigando a autoridade monetária a persistir em uma política mais rigorosa de juros. Essa justificativa – perseguir a inflação – tem sido usada por Campos Neto para manter a Selic no nível atual.

O ministro da Fazenda chegou a pontuar que o ano-calendário é adotado apenas por Brasil e Turquia e que o de metas contínuas de longo prazo é menos suscetível a volatilidades, pois o BC pode alargar o tempo para atingir o seu objetivo. Há países que, segundo Haddad, adotam um horizonte de 24 meses.

Por fim, o ministro disse que a regra vigente não é “factível” e a mudança é “fundamental para o país” e uma “modernização necessária”.

Sobre a manutenção das metas dos próximos três anos em 3%, Haddad alegou que não teria sentido elevar a meta de inflação em um momento em que os próprios agentes do mercado financeiro já projetam uma acomodação da variação de preços em patamar próximo à meta.

Diferentemente do que ocorre em decisões desse tipo, o anúncio ocorreu com o mercado financeiro ainda aberto. Depois da divulgação, o Ibovespa subiu 1,45% nesta quinta, a 118.382, enquanto o dólar teve queda de 0,04%, praticamente estável cotado a R$ 4,84.

Campos Neto diz que estudo do BC mostra que adoção do regime de metas contínua “é mais eficiente” que o ano-calendário

Ontem, o presidente do Banco Central disse que um estudo da autarquia mostrou que a adoção de uma meta de inflação contínua “é mais eficiente”. A declaração dele foi dada antes da reunião do CMN, em coletiva de imprensa no BC.

“Em relação a ser contínua ou não, a gente já explicitou um trabalho em 2017. Tem esse estudo que mostra que a meta contínua é mais eficiente. Em alguns momentos da história, o governo ficou preocupado em estourar a meta em um ano específico e acabou tomando medidas no final do ano que fizesse com que aquela inflação caísse de forma pontual e que gerou uma alocação de recursos que não era a mais eficiente do ponto de vista econômico. E grande parte dos países não tem meta de ano-calendário”, declarou Campos Neto.

Ele ainda afirmou afirmou que, quando foi iniciado o sistema de metas, em 1999, a inflação era muito alta. “A gente entende que a gente avançou no processo e o que eu tenho dito é que esse [uso da meta contínua] é um aperfeiçoamento do sistema de metas que a gente acha interessante”, acrescentou.

O diretor de Política Econômica do BC, Diogo Abry Guillen, complementou dizendo que “mudanças no regime não devem afetar a condução da política monetária”.

Mercado recebe bem manutenção de metas em 3%

Para analistas do mercado financeiro, a mudança no regime de metas já era esperada, e o fato de começar a vigorar após a saída de Campos Neto da presidência do BC tem efeito neutro. O que foi recebido de modo bastante positivo é a manutenção das metas de inflação em 3% e as bandas em 1,5 p.p. para cima ou para baixo.

Ao UOL, Daniel Cunha, estrategista-chefe da corretora BGC Liquidez, disse que a decisão tem um potencial benigno adicional para a dinâmica de preços aqui no Brasil. “Ainda é preciso entender como será o accountability [o que ocorre em caso de descumprimento, já que muda a dinâmica], mas isso é secundário no momento”.

Ele ainda atribuiu a manutenção da meta em 3% uma vitória de Haddad. “É mais uma vitória do pragmatismo de Haddad. O ‘momentum Haddad’, que temos chamado atenção aqui nos últimos meses, se mostrou o principal fator de valorização dos ativos nesse segundo trimestre e deixa o ‘momentum’ positivo para o início do próximo trimestre/semestre.”

Outro entrevistado, Gabriel Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considerou a decisão do CMN positiva, mas mantém um grau de desconfiança sobre mudanças futuras.

“O saldo líquido da decisão do CMN é positivo, apesar de existir um risco de cauda em torno do horizonte de convergência da inflação para a meta, se de 12, 18 ou 24 meses, que deveria ser uma decisão discricionária do BC à luz dos choques que acometem a economia. As repetidas falas do ministro sobre a decisão, ao repetir a expressão ‘neste momento’, deixam algum ceticismo sobre os passos futuros, mas não muda o saldo positivo da decisão”.

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e do UOL

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