Ao anunciar a proposta de emenda à Constituição (PEC) para tentar reduzir os impostos sobre os combustíveis até final do ano, o presidente Jair Bolsonaro não especificou o seu custo ao cofre da União. O ministro da Economia, Paulo Guedes, estimou apenas que a proposta custará entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões e sinalizou que o valor poderia vir de recursos levantados com a venda da estatal da setor elétrico, ou seja, “torrar” o dinheiro da Eletrobras em uma proposta eleitoreira.
A privatização da Eletrobras está marcada para ser concluída em 13 de julho e, com a capitalização da empresa na Bolsa, o processo deverá movimentar entre R$ 22 bilhões e R$ 26,6 bilhões. Ou seja, o governo pretende usar o dinheiro da venda da maior empresa de energia elétrica do país com uma proposta que vai durar somente seis meses.
A proposta do governo é para que seja zerado o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nos preços combustíveis e a União indenizaria os governos estaduais pela perda na arrecadação com o dinheiro da Eletrobras.
Mas a conta não fecha. O governo avalia que precisará gastar R$ 40 bilhões para custear a operação do ICMS zero. Então, ainda faltarão R$ 15 bilhões além do dinheiro da Eletrobras.
A especulação é que, além desse recurso da privatização, o governo pretende contar também com os dividendos da Petrobras ou outras receitas do setor de petróleo.
“Torrar” o dinheiro da Eletrobras pode dar em nada
Levantamento da Abicom (associação dos importadores) aponta que zerar o ICMS para o diesel, como previsto na PEC, teria impacto de, no máximo, R$ 1,006 no preço final do diesel. Em São Paulo, por exemplo, a diminuição seria de apenas R$ 0,6618. O valor difere de estado para estado, conforme a alíquota de ICMS praticada.
Esses números deixam claro que não há garantia de que a operação, mesmo usando o dinheiro da Eletrobras caso a privatização realmente aconteça, será bem-sucedida e mostram a insensatez de um governo que quer trocar um patrimônio do setor energético nacional por uma “aventura” eleitoreira.
A economista Deborah Magagna explicou no ICL Notícias desta quarta (8) que a proposta conta com diversos problemas, já que não mexe na formação de preços dos combustíveis, além de gerar graves problemas fiscais para os estados brasileiros, que, diferentemente do governo federal, dependem unicamente das receitas tributárias para conseguir realizar seus gastos.
Magagna diz que em nada foi alterada a política de precificação da Petrobras atual, o chamado PPI (preço de paridade de importação), que reajusta automaticamente o preço do combustível na distribuidora em caso de mudanças do preço do barril do petróleo no mercado internacional.
“Desde o começo de 2021, já ocorreram 21 reajustes, seja de gasolina ou de diesel. Destes, somente seis foram reajustes para baixo. A maioria dos reajustes elevou o preço dos combustíveis. No acumulado, ocorreu um aumento de 78% da gasolina e de 94% do diesel. No cenário mais otimista. a redução seria de R$ 1 do preço dos combustíveis na bomba de gasolina. Em apenas três reajustes, conforme os ocorridos neste ano, o efeito desta desoneração fiscal seria completamente eliminado”, afirma a economista.
PPI deve anular ICMS zero
O ICMS zero não vai solucionar o grande problema que é o reajuste quase automático dos
preços dos combustíveis sempre que ocorrer um reajuste do preço do petróleo no mercado
internacional.
Caso ocorram novas elevações dos preços nos próximos meses, que, devido ao cenário internacional não é difícil que ocorra, a política de precificação da Petrobras vai elevar o preço do combustível, anulando em pouquíssimo tempo qualquer queda dos impostos, elevando novamente o preço para os níveis atuais, ou até mesmo maiores.
Na tabela abaixo, é possível observar quanto o Preço do Petróleo Brent influenciou nos preços de distribuição da gasolina comum e do diesel no Brasil. Desconsiderando os fatores inflacionários dos preços médios de revenda registrados entre 2013 e 2022, é notado que, no período anterior ao PPI, entre janeiro de 2013 e outubro de 2016, a influência do preço internacional do petróleo na precificação dos combustíveis foi menor do que no período em que a política de precificação foi adotada, após outubro de 2016. Essa diferença pode ser observada tanto considerando o preço do petróleo em dólares como em reais, calculado por meio de taxa cambial também ajustada à inflação no período.
No período anterior ao da adoção da política de precificação da Petrobras, o preço do petróleo em dólares explicava 24,32% do preço da gasolina comum e 41,23% do preço do óleo diesel. Já no período posterior à política de precificação, o preço internacional da commodity passou a explicar 66,51% do preço da gasolina comum e 72,04% no caso do preço do diesel. Ao considerar a variação cambial e seu preço em reais, a influência do preço do barril do petróleo no período anterior ao PPI foi de 25,19% no preço da gasolina e 29,72% no preço do óleo diesel. Já no posterior, esta influência foi de 83,47% e 77,85% nos preços da gasolina comum e óleo diesel respectivamente.
Estados e municípios contestam números apresentados pelo governo federal
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) contesta as contas do governo Bolsonaro e diz que as perdas para estados e municípios, com o pacote de zerar o ICMS, estão em torno R$ 115 bilhões. Desse total, R$ 27 bilhões seriam somente as perdas de receitas para as prefeituras. Ou seja, o dinheiro da Eletrobras não fecharia a conta.
O projeto é considerado por governadores e prefeitos um “arrasa-quarteirão” sem volta nas finanças de estados e municípios.
Por outro lado, o governo federal pressiona governadores a aderirem a proposta e tem como parte de sua estratégia expor publicamente os executivos estaduais que se recusarem a reduzir a zero o diesel neste ano de eleições gerais. O Ministério da Economia chegou a divulgar, nesta terça-feira (7), estudos para mostrar que governadores e prefeitos apresentam a melhor capacidade de pagamento da história.
Para Deborah Magagna, esta política tem um potencial elevado de prejudicar as finanças dos
estados. “O ICMS é a principal fonte de arrecadação estadual no país, acima de 80%, sendo que os
produtos que mais geram arrecadação deste imposto são os combustíveis. Com a eliminação destes impostos, espera-se que ocorra uma queda de R$ 76 bilhões da arrecadação estadual até o final do ano, o equivalente a 33% do que já foi arrecadado até o momento com o imposto”, explica Deborah.
Redação ICL Economia
Com informações das agências