Exploração do Haiti: pagamento de indenização à França custou o desenvolvimento econômico do país

O ICL Notícias entrevistou a editora do NYT que participou da série de reportagens sobre o tema
1 de junho de 2022

Reportagem exclusiva do ICL Notícias desta quarta (1), com a jornalista Heloísa Villela, mostrou como o jornal The New York Times (NYT) retratou em série a exploração sofrida pelo Haiti, que, depois de conquistar sua independência, teve que pagar uma indenização à França no século XIX.

De acordo com o NYT, os pagamentos efetuados desde 1825 pela primeira república negra independente da história para indenizar os antigos colonos escravagistas “custaram ao desenvolvimento econômico do Haiti entre US$ 21 bilhões e US$ 115 bilhões de prejuízo em dois séculos, ou entre uma e oito vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2020”.

Os haitianos passaram décadas pagando aos descendentes de seus ex-colonizadores não só pelas terras onde seus ancestrais trabalhavam para produzir açúcar e café para toda a Europa, mas também por outra propriedade, a dos corpos dos escravos que ganharam sua liberdade no campo de batalha e ali ficaram.

Levou um ano para a série do NYT ser produzida pela equipe de jornalistas Lazaro Gamio, Constant Méheut, Catherine Porter, Selam Gebrekidan, Allison McCann e Matt Apuzzo.

indenização à França, Haiti

Editora da sucursal do NYT em Toronto, capital do Canadá, Catherine Porter, em entrevista para o ICL Notícias

A jornalista do ICL Notícias conversou com a editora da sucursal do NYT em Toronto, no Canadá, Catherine Porter. “Se passar um tempo no Haiti, como jornalista, ficará impressionada com a pobreza e a falta de infraestrutura. Quando surgiu a cólera, não havia estações de tratamento de água.”, disse Carter para a jornalista Heloisa Villela.

A história costuma culpar a corrupção no país pela falta de desenvolvimento, mas a verdade é que os haitianos pagaram caro pela independência, já que eram a colônia mais produtiva do Ocidente.

A chantagem dos antigos colonos  – caso o Haiti não pagasse a indenização à França, o país daria início a outra guerra – contou com as demais potências da época. Após 10 anos de revolta e expulsão dos franceses e independência do Haiti, de forma nunca vista em qualquer outro lugar das Américas, os britânicos não reconheciam os haitianos formalmente, da mesma forma que os Estados Unidos, que estavam apavorados com a possibilidade de que o Haiti inspirasse outra revolução similar.

Sem apoio algum, o Haiti aceitou pagar a conta da vitória à França. Foi forçado a pegar empréstimo em um banco francês porque não tinha dinheiro. Uma dívida impagável.

A jornalista do NYT explicou que, além da França, Estados Unidos, as realezas britânica, belga e grega faturaram com o Haiti. Nos EUA, quem ganhou muito dinheiro foi o banco que deu origem ao Citibank, e a história de sofrimento não tem fim. “Com o terremoto, depois de 2010, muitas empresas de Washington também foram reconstruir o país e fecharam vários contratos. Ganharam muito dinheiro. Empresas dominicanas ganharam fortunas”, diz Porter.

Ex-presidente Jean-Bertrand Aristide quis restituição de indenização à França e sofreu um golpe

Em 2003, o então presidente Jean-Bertrand Aristide quantificava, ao pé da letra, a indenização à França em mais de US$ 21 bilhões.

Ele foi derrubado do poder em fevereiro de 2004, quando começou a falar em restituição. Foi vítima de um golpe articulado pelos EUA, França e Canadá. Foram 17 anos de exílio.

Entrevistado quase duas décadas depois pelo The New York Times, em Porto Príncipe, Catherine Porter afirma que ele só queria falar o que a dívida fez com o Haiti, sobre o tamanho da injustiça e como ele havia plantado essa semente.

O NYT procurou os descendentes das famílias europeias beneficiadas com o sofrimento do povo haitiano. São as famílias que continuaram recebendo a indenização, assim como o banco que fez o empréstimo, e que dizem agora desconhecer essa história.

A relutância dos líderes haitianos em abraçar esta causa também pode ser explicada pelo intervencionismo ocidental no passado recente do país caribenho.

O economista francês Thomas Piketty, em 2019, analisou em seu livro “Capital e Ideologia” o problema da dívida de independência do Haiti. “A forma na qual, durante um século e meio, o Haiti teve que pagar à França por seu desejo de ser livre, […] fez com que toda a integração internacional do Haiti fosse comprometida”

Os pagamentos exigidos pela França privaram a economia haitiana de recursos vitais para o seu desenvolvimento tanto como permitiram a prosperidade de sua antiga metrópole.

Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias e do jornal O Globo

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