Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Um dos fatos que têm ocorrido nos últimos meses é a melhora do humor do mercado financeiro em relação aos resultados econômicos desse ano. O Relatório Focus, que mede justamente a perspectiva da Faria Lima sobre o futuro do país, vem elevando a previsão de crescimento do PIB semana após semana, ao mesmo tempo em que reduz a expectativa inflacionária de 2022. Está sendo estimada, portanto, uma economia com crescimento acelerado no segundo semestre ao mesmo tempo em que se espera uma inflação muito baixa nos últimos seis meses do ano.
As perspectivas estão muito bem alinhadas com o que foi projetado tanto pelo Banco Central, em seu Relatório Trimestral de Inflação, quanto pelo Boletim Macrofiscal do Ministério da Economia. Em ambos os casos, houve previsão de uma inflação que deve chegar próximo de 7,5%, e não passar disso, além de uma economia com potencial para chegar a até 2% de crescimento do PIB. Parece que o entusiasmo com a política econômica do final do governo Bolsonaro/Guedes chegou de vez no condado da Faria Lima.
A justificativa oficial é que, com o pacote de estímulos fiscais que começarão a ocorrer em agosto, como a elevação do Auxílio Brasil para R$ 600, pagamentos mensais a caminhoneiros e outras categorias, teremos um forte elemento de expansão do consumo. Ao mesmo tempo, a política de redução do ICMS, que baixou o preço dos combustíveis, tem efeito deflacionário suficiente para evitar uma inflação muito elevada no segundo semestre. Essa combinação é que vai gerar o cenário econômico favorável de crescimento com baixa inflação.
Ao mesmo tempo, essas medidas já dão justificativas para um primeiro ano de um eventual governo Lula ser muito fraco economicamente. A cada semana o mercado financeiro aposta em maiores dificuldades de controle inflacionário, o que exigiria uma queda mais lenta da Selic, ao mesmo tempo em que os gastos fiscais realizados agora iriam impedir um bom desempenho econômico, além de ser uma bomba inflacionária a explodir no começo de 2023. Então o que o mercado prevê agora é de um final bom para o governo Bolsonaro e um começo difícil para seu sucessor, ou até mesmo para o próprio, pois para alguns setores, essa esperança continua viva.
O que ocorre de fato é que os dados que saem mostram cada vez mais que a aposta é demasiadamente otimista. Mesmo sendo o ramo mais fraco dos componentes do PIB, é esperado que a indústria tenha algum nível de atividade para garantir os 2% de elevação da atividade econômica, mas outra vez tivemos um dado negativo, que jogou a indústria para uma queda de 2,2% somente neste ano. O governo espera um crescimento de pelo menos 1% da indústria no final do ano, mas o próprio setor não, uma vez que o nível de compra de bens de capital, que garante o investimento e a produção futura, continua em queda considerável neste momento. Mesmo diante do nível de capacidade ociosa na indústria, o que garantiria um crescimento sem investimento até mesmo no médio prazo, os dados mostram que a indústria está cada vez com mais dificuldades e performando abaixo do que foi registrado no ano anterior.
Além disso, temos o caso da balança comercial. Com a situação econômica chinesa atual, os resultados têm ficado abaixo do esperado e aquém ao ano anterior. Se observarmos o lado da demanda, o saldo da balança de pagamentos é um dos que mais animaria um eventual crescimento econômico futuro. Com uma balança de pagamentos que vem, mês após mês, tendo resultados menores do que o previsto, a previsão para o crescimento econômico tem se mostrado demasiadamente otimista.
No caso da inflação, o terror econômico do governo no primeiro semestre foi puxado principalmente pela alta de combustíveis e alimentos. O governo conseguiu reduzir temporariamente a primeira categoria, e o clima parece ter conseguido amenizar o segundo problema. Mas o efeito da queda do ICMS deve ser no máximo temporário. Em julho, com certeza iremos ver um grande efeito dessa queda no índice inflacionário, podendo, inclusive, ocorrer uma situação deflacionária para o período. Porém, os alimentos, que pareciam ter parado de elevar, voltaram a ter novos inimigos. O leite aumenta de maneira vertiginosa, o que gera aumento em cadeia em todos os seus derivados, como manteiga, requeijão, queijos etc.
Além disso, parece que um novo aumento do preço das commodities está prestes a acontecer. Uma vez que os produtos derivados de trigo e milho estão ficando também cada vez mais caros, em ritmo menor do que o leite, mas ainda de forma considerável. Caso ocorra uma nova aceleração de preços internacionais, isso pode impactar ainda mais a inflação de alimentos.
Um dos fatores que auxiliou a reduzir bastante o peso dos alimentos nos últimos meses foi a deflação ocorrida de bens in natura, como hortaliças, tomate, cebola, cenoura etc. O efeito se deu, pois, esses bens elevaram consideravelmente nos primeiros meses do ano e, com a melhora gradativa de sua oferta, os preços voltaram à normalidade. Isso gerou um efeito deflator muito elevado no grupo como um todo, e acabou reduzindo o peso dos alimentos no cálculo final da inflação. Porém, esse efeito não deve aparecer mais nos próximos meses, uma vez que os preços desses bens agora se encontram em patamares bem próximos do que víamos há um ano. Então talvez vejamos ainda em julho o efeito deles na inflação, mas em agosto dificilmente eles serão fator para segurar uma alta de outros alimentos.
Todos esses elementos juntos mostram que as expectativas do mercado e do governo ainda são muito otimistas para o momento. Obviamente a queda do ICMS e as políticas fiscais terão um efeito positivo na economia. Mas se esse efeito será responsável por um crescimento tão vigoroso e uma desaceleração inflacionária tão grande quanto o esperado tanto pelo mercado quanto pelo governo, acredito que ainda é cedo para responder. No meu caso, o otimismo é bem menor do que dos demais agentes do mundo econômico brasileiro.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira