O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu R$ 17 milhões via pix, supostamente de apoiadores, para pagar multas por infrações cometidas por ele durante o seu mandato. É o que mostra relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) encaminhado à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
No entanto, o que se sabe até o momento é que o ex-mandatário não usou o dinheiro para pagar tais multas. Ao contrário disso, teria investido o montante em aplicações financeiras.
A análise das movimentações do ex-presidente vai de maio do ano passado a julho deste ano. Neste período, Bolsonaro movimentou R$ 39,9 milhões. A conta recebeu quase R$ 20 milhões. E saíram dela outros R$ 20 milhões.
Ainda segundo o relatório, de 1º de janeiro a 4 de julho deste ano, o ex-presidente da República recebeu quase 770 mil depósitos via pix, que totalizaram R$ 17,2 milhões. O conselho identificou que R$ 17 milhões foram investidos em renda fixa.
Em nota, a defesa do ex-presidente afirmou que os valores “são provenientes de milhares de doações efetuadas via Pix por seus apoiadores, tendo, portanto, origem absolutamente lícita”.
No sábado passado, o ex-presidente ironizou o assunto em um evento do PL Mulher, em Santa Catarina. Na ocasião, ele agradeceu e disse que “dá para pagar algumas contas”, além de ter dinheiro para “tomar um caldo de cana e comer pastel” com sua esposa Michelle Bolsonaro.
Especialistas ouvidos por reportagem do jornal O Estado de S.Paulo divergiram sobre as consequências legais da não utilização dos recursos arrecadados para o pagamento das multas.
Para a professora Elizabeth de Almeida Meirelles, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP (Universidade de São Paulo), caso fique comprovado que a quantia arrecadada não foi utilizada para o fim anunciado na campanha de arrecadação, os organizadores podem ser obrigados a devolver o dinheiro.
“As pessoas que doaram e que estiverem se sentindo lesadas podem entrar com uma queixa criminal contra os organizadores da campanha”, disse Elizabeth, complementando que o próprio Ministério Público pode alegar que houve fraude ou tentativa de golpe, visto que a campanha foi pública.
Para Eduardo Moreira e o jurista Lenio Streck, transações via pix para Jair Bolsonaro têm diversos agravantes
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, e o jurista Lenio Streck comentaram o assunto na edição desta segunda-feira (31) do ICL Notícias, live diária transmitida via redes sociais.
Na avaliação de Moreira, o primeiro questionamento que deve ser feito é se o dinheiro é fruto mesmo de doações de apoiadores. “Tem muita coisa estranha nessa história”, disse o economista, enfatizando que o modo como a campanha foi estruturada foi “genial”, pois dificulta até mesmo a tributação desses recursos.
Por sua vez, Lenio Streck aponta uma sucessão de fatos vindos com isso tudo, como a viagem aos Estados Unidos, o dinheiro movimentado na conta da ex-primeira-dama pelo ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.
“Esse conjunto de fatos que vem à tona, mais a questão da Marielle… as instituições têm compromisso histórico de dar uma resposta para isso sob pena da desmoralização [dessas instituições]. Se o conjunto das instituições, que a gente chama de sistema de Justiça, não der uma resposta vigorosa a esses fatos e mais os que não estamos falando aqui, esse encontro com a história fracassará”, disse.
Segundo o jurista, as explicações “totalmente furadas” dadas por Bolsonaro e seu entorno têm a finalidade de confundir as instituições. “O conjunto de explicações furadas atrapalha todo mundo e vai passando a boiada. Estamos entrando em agosto e não existe uma denúncia criminal contra Bolsonaro. Onde estão as instituições para fazermos a prestação de contas?”, questionou.
Em linha com o que disse Eduardo Moreira, o professor Eduardo Tomasevicius Filho, da Faculdade de Direito da USP, que também participou da reportagem do Estadão, considerou a campanha de arrecadação estruturada de tal modo que configuraria uma doação pura, ou seja, feita sem condições ou encargos. “[Neste caso], quem doa não pode reclamar que doou”, disse.
De acordo com a reportagem do Estadão, o dinheiro doado a Bolsonaro é oito vezes o que o ex-presidente declarou em bens ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O montante ainda corresponde quase à totalidade do que circulou nas contas de Bolsonaro em 2023: R$ 18.498.532.
Em junho, a Justiça de São Paulo bloqueou mais de meio milhão de reais nas contas bancárias do ex-presidente por ele não usar máscara durante a pandemia de Covid-19. A dívida de Bolsonaro com o governo do estado já passa de R$ 1 milhão.
Foi por essas e outras razões que, em junho, deputados e influenciadores bolsonaristas iniciaram a campanha pedindo doações por pix ao ex-presidente, que incentivou as doações.
Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo e do ICL Notícias