João Paulo Pacífico: ‘Nada mais certo do que os super-ricos pagarem tributos mais justos’

Brasil tem liderado discussão sobre a taxação de grandes fortunas.
14 de junho de 2024

O fundador do grupo de investimentos Gaia, João Paulo Pacífico, foi o único brasileiro da lista dos super-ricos a assinar uma carta aberta a líderes globais reunidos em Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial no começo deste ano, na qual alguns milionários e bilionários do mundo pedem para pagar mais impostos.

Escritor, ativista, conselheiro do Greenpeace, investidor de projetos sociais e colaborador de cooperativas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), Pacífico atua há mais de 20 anos no mercado financeiro, mas, como se vê em seu currículo, é um ponto fora da curva nesse universo.

Há anos, ele vem defendendo que os muito ricos – seleto grupo no qual se coloca – paguem mais impostos. O argumento é bem simples: pagar mais impostos não vai deixá-los mais pobres. “É óbvio que, quando a gente fala de super-ricos, a gente fala de quem tem muitos bilhões. Quanto mais a pessoa tem, mais ela tem de pagar de imposto, sim. Nada mais justo do que quem tem bilhões de reais, que pague um tributo mais justo. Então, eu começaria taxando esses bilionários”, disse, em entrevista à edição de ontem (13) do programa Em Detalhes, no canal do ICL Notícias no YouTube, .

Se tivesse a caneta na mão, Pacífico não tem dúvidas sobre o primeiro passo a ser dado: “Taxaria patrimônio e renda na veia! Pega x por cento do que o bilionário tem e taxa. Ele não vai ficar pobre por isso. A classe média paga 27,5% de imposto via CLT. Quando você pega o bilionário, ele não paga nada, e não faz sentido isso. Se faz isso, você resolve a questão”, frisou.

Brasil tem liderado discussão sobre a taxação de grandes fortunas

A discussão sobre a taxação de grandes fortunas tem sido liderada pelo Brasil no âmbito do G20. O país ocupa a presidência temporária do fórum que reúne as 19 nações mais ricas, mais União Europeia e União Africana. O projeto do país defende uma taxa de 2% da riqueza dos muito ricos e o dinheiro seria destinado ao combate à fome, às desigualdades sociais e às mudanças climáticas.

Os governos da França e dos Estados Unidos têm sinalizado que devem apoiar a proposta, que surge em um momento em que a fortuna dos multimilionários só cresce. No ano passado, tanto o número de ricos como o volume da fortuna deles cresceram em um mundo onde a pobreza também aumenta. No mundo todo, 22 milhões de pessoas concentram R$ 454 trilhões, dinheiro mais do que suficiente para ações de mitigação da fome, da pobreza e das mudanças climáticas.

“Há dois assuntos que são muito caros para o Brasil e o mundo agora, que são a questão da desigualdade e a questão ambiental. Essas duas questões exigem investimentos. Não tem como você reduzir a desigualdade de um país sem ter um apoio social, um apoio governamental relevante às classes mais desfavorecidas”, apontou Pacífico.

Na avaliação dele, cabe ao governo de um país apoiar, criar programas sociais que garantam uma dignidade para as pessoas, como alimentação, moradia, infraestrutura e educação. “O governo tem que ter dinheiro para fazer isso. Esse dinheiro vem de onde? Dos tributos. E esses tributos vêm de onde? Que venham das pessoas mais ricas”, sugeriu.

Um estudo feito por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) mostra que se o imposto mínimo de 2% sobre riqueza do 0,2% de super-ricos existentes no Brasil fosse aplicado, o valor arrecadado chegaria a R$ 41,9 bilhões por ano, valor suficiente para triplicar o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia e aumentar em mais de 10 vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas de 2023.

Para João Paulo Pacífico, taxação de fundos dos super-ricos é medida importante para o país

Em dezembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei sobre taxação de fundos exclusivos e offshores, o que contribui para a elevação da arrecadação federal no começo deste ano.

“Isso foi superinteressante porque, quando foram tributar os fundos exclusivos, veio a gritaria do mercado, algumas pessoas tiraram, colocaram dinheiro em outros lugares, mas, ainda assim, a rentabilidade continua acontecendo e o governo arrecadou muito mais”, lembrou.

Pacífico ainda explicou que esses fundos são exclusivos, por serem criados única e exclusivamente a quem tem muito dinheiro e que, antes da medida de Lula, não era tributado.

“E olha que coisa mais sem sentido. A pessoa tinha um ‘prêmio’ por investir e ser super-rico, então não faz o menor sentido. Por que todo mundo paga imposto e você não paga por que tem um fundo só para você? Aí tem uma coisa também que as pessoas têm que entender: no Brasil, as taxas de juros são muito altas. Se você emprestar dinheiro para o governo, você vai receber mais de 10% ao ano. É uma das taxas de juros real [descontada a inflação] mais alta do mundo. Então, quando você vai tributar quem tem muito dinheiro, uma parte será tributada e ele ainda vai continuar ganhando muito”, explicou.

Por isso, ele chama de chantagistas quem usa o argumento de que vai deixar de investir no Brasil e colocar o dinheiro em outro lugar. “Se você colocar o dinheiro no país que tem uma taxa de juros negativa ou uma taxa de juros muito mais baixa, okay que você não seja tributado, mas você vai ganhar muito menos”, lembrou.

Além disso, ele aponta um detalhe importante: “Parte relevante da riqueza dessas pessoas é em bens imobilizados, ou seja, imóveis. Não é que o cara vai vender esses imóveis que dão um aluguel para ele, que geram uma renda, e vai comprar imóveis para especular em outro país. Então, tem muita chantagem nisso. Usam a mídia para gritar e espernear”.

Em linha com uma das bandeiras de campanha do presidente Lula, Pacífico defendeu um sistema tributário mais justo, no qual quem ganha mais pague mais e quem ganha menos pague menos. “Hoje temos uma base tributária muito forte em bens e consumo. Quando você compra uma garrafa d’água, o tributo é o mesmo para o rico e para o pobre. Por isso que temos que tributar mais renda e patrimônio do que bens e consumo. E que se tribute mais o bens de alto valor aquisitivo”, disse.

Feito isso, o passo seguinte seria alocar esses recursos para suas áreas de destino. Exemplo: se os 2% da taxação global de riquezas deve ser destinado para o combate à fome, às desigualdades sociais e às mudanças climáticas, que se destine os recursos para esse fim.

“Sabemos que temos um Congresso absolutamente difícil, que é um Congresso anti-ambiental, que aprova pacote do veneno, subsídios para quem não deveria ter. Então, temos que tomar cuidado para que não vá para uma destinação errada”, sugeriu.

Dividendos

Outro aspecto abordado por Pacífico foi o fato de que o Brasil é um dos poucos países do mundo que não taxam dividendos, que é o valor pago a acionistas quando as empresas lucram.

“O Brasil é um dos poucos países do mundo em que não se tributa dividendos. Você vai para outros países do mundo é isso é tributado, aqui não. Não faz o menor sentido isso”, disse.

 

Assista à entrevista completa de João Paulo Pacífico no vídeo abaixo:

 

Redação ICL Economia
Com informações do ICL Em Detalhes

 

 

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