O tom moderado adotado por Ciro Gomes (PDT) na entrevista concedida ontem (23) ao Jornal Nacional surpreendeu telespectadores e internautas acostumados à habitual intempestividade do candidato à Presidência da República, terceiro colocado nas pesquisas de intenções de votos. Dentro do conforto de quem nunca ocupou o cargo de presidente do país e, portanto, não tem motivos para ser cobrado, e também dos números eleitorais, que o colocam bem atrás dos primeiros colocados, Ciro discorreu críticas aos adversários, chamando a polarização política de “odienta”, e prometeu que, se eleito, criará a “lei antiganância”.
Sem dar detalhes da proposta, Ciro diz que a lei antiganância colocará, na prática, uma espécie de teto de juros a empréstimos concedidos pelas instituições financeiras. Segundo ele, o cidadão que pagar o equivalente a duas vezes sua dívida com instituições financeiras terá seu débito saldado.
Após a entrevista, a equipe de campanha do pedetista divulgou nota na qual afirma que a lei pretende proteger o povo do abuso dos juros em empréstimos bancários.
“O Brasil cobra, há anos, os juros mais altos do mundo. Isso explica por que quatro bancos brasileiros estão entre os mais lucrativos do mundo. Vou dar um basta nisso criando a Lei Antiganância. Ela vai proibir os bancos de cobrarem mais de duas vezes o valor de um empréstimo ou de uma dívida que as pessoas têm no cartão de crédito ou no cheque especial. Ou seja, se você pegou R$ 100 e já pagou R$ 200, a dívida fica automaticamente quitada”, diz Ciro Gomes em nota.
A ideia, segundo o candidato, foi inspirada em um modelo parecido na Inglaterra. “Aqui no Brasil, obrigam as pessoas a pagar até mais de dez vezes uma dívida. Por que não pode haver controle de juros e multas exorbitantes no Brasil?”, questiona o candidato.
Na edição do ICL Notícias desta quarta-feira (24), programa matinal veiculado no YouTube, o economista Eduardo Moreira, um crítico contumaz dos juros exorbitantes que as instituições financeiras cobram sobre o crédito, comentou a proposta. “Uma lei como essa seria excepcional para a parcela mais pobre da população”, afirmou Moreira, sugerindo que os outros candidatos incluam essa medida em seus planos também.
Em seu canal, o economista criticou com veemência a lei do consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, que impõe juros de mais de 80% ao ano nesse tipo de crédito. Ele foi o primeiro a denunciar os juros escandalosos cobrados pelas instituições e conclamou os bancos a não aderirem à proposta.
Com críticas aos primeiros colocados nas pesquisas de intenções de votos, Ciro Gomes diz que tem o papel de “reconciliar” o Brasil
Embora tenha feito parte do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes é um crítico feroz do ex-presidente petista e, também, de Jair Bolsonato (PL), que estão, respectivamente, em primeiro e segundo lugar nas pesquisas de intenções de votos, enquanto o pedetista aparece bem distante dos dois, com 7%.
Questionado sobre a dureza de seu discurso contra os adversários, Ciro disse que pode reavaliar a sua postura e disse que tem como tarefa reconciliar o Brasil. “Eu devo sempre reavaliar [modo como trata os adversários]. Eu faço esse esforço de humildade permanentemente. Minha tarefa é reconciliar o Brasil”, afirmou o candidato.
Por outro lado, responsabilizou os dois adversários pela atual situação do país. “Eu tenho que confrontar aqueles que mandaram no Brasil nesses anos todos. E às vezes, sim… Eu venho de uma tradição do nordeste, a nossa cultura política é ‘palavrosa’, digamos assim. Às vezes, no sul e no sudeste, as pessoas não entendem bem. Não me custa nada rever certos temas, e tal, especialmente na proporção em que meu sonho é reconciliar o Brasil”, pontuou Ciro.
Dentro de suas propostas, ele também afirmou que pretende, se eleito, criar um programa que garante renda mínima de R$ 1 mil a famílias mais vulneráveis, prometeu taxas grandes fortunas e, também, acabar com a reeleição. Sobre este último tema, ele disse que, desde a redemocratização, os presidentes da República se aliaram aos partidos que compõem o chamado Centrão e isso, na opinião do candidato, resultou em corrupção e ineficiência.
“É o que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, na expressão elegante do Fernando Henrique, ou nessa adesão vexaminosa e corrupta ao Centrão”, argumentou, complementando: “Minha proposta é transformar minha eleição não num voto pessoal, mas num plebiscito programático. Para que a gente discuta ideias”.
Sobre o projeto de renda mínima de R$ 1 mil, o montante seria pago por meio da taxação das grandes fortunas, sobre patrimônios acima de R$ 20 milhões. Segundo o candidato, apenas 58 mil brasileiros seriam afetados.
Além disso, a renda mínima seria a primeira parte de um novo modelo previdenciário, promessa que o candidato repete desde a sua primeira tentativa de chegar à Presidência, em 1998. O modelo envolve três pilares: um de capitalização, um por repartição e um terceiro por transferência de renda.
Ciro Gomes também criticou a situação econômica do país atualmente, dizendo que o país tinha 34% de sua riqueza tirada da indústria. A informação, segundo a Agência Lupa de checagem de dados, é verdadeira. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a indústria de transformação já foi responsável por mais de 30% do PIB (Produto Interno Bruno) do Brasil entre 1972 e 1989. “O maior percentual foi em 1985, quando chegou em 35,88%. A indústria de transformação corresponde ao setor industrial propriamente dito. Os dados estão disponíveis no Ipeadata.”
No entanto, ele foi impreciso quando disse que o PIB da indústria representa menos de 10% hoje. De acordo com a Lupa, em 2021, último ano disponível para consulta, a indústria de transformação foi responsável por 11,33% do PIB brasileiro.
Ainda no âmbito econômico, o pedetista errou ao dizer que o Brasil está há 11 anos sem crescer, e que, atualmente, está crescendo 0,26%. Nos últimos 11 anos, entre 2011 e 2021, segundo a Lupa, a variação total do PIB brasileiro foi de 7,4%. Dessa forma, o crescimento anual médio do país no período foi de 0,65%, índice cerca de 2,5 vezes maior que o mencionado pelo candidato. Os dados são do IBGE.
O candidato, no entanto, acertou quando disse que o Brasil tem 3% da população do mundo e o país foi responsável por 11 de cada 100 mortes da pandemia de Covid-19.
Conforme o Worldometer, plataforma que mostra dados sobre a população mundial em tempo real, a população brasileira estimada hoje é de 215,8 milhões de habitantes. Isso representa 2,7% dos 8 bilhões de habitantes do planeta. Na pandemia, o país perdeu 682.549 vidas (dados de 23 de agosto), o que representa 10,5% do total de óbitos pela doença no mundo.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias