Lula completa cem dias deixando como marca o início da refundação do estado democrático de direito de um país em frangalhos. Economia esteve no centro do debate

Herança maldita deixada por Bolsonaro fez Lula tomar ações antes mesmo de empossado, como a PEC da Transição. Depois da posse, petista enfrentou tentativa de golpe de estado, crise do povo yanomami, desafios econômicos e a volta do país como ator no cenário internacional
10 de abril de 2023

Esta segunda-feira, 10 de abril, completam-se cem dias do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), data que será assinalada por uma reunião ministerial para que se possa fazer um balanço do período. Desde o fim de semana, os principais sites e jornais trazem notícias e análises abordando, principalmente, qual seria a marca do início deste terceiro mandato do petista à frente da Presidência do Brasil, muitas delas sem levar em conta o país herdado pelo atual mandatário. Desses cem dias, pode-se dizer que, no mínimo, o legado de Lula foi ter restabelecido o estado democrático de direito no Brasil após tudo o que se pode acompanhar nos quatro anos da gestão Bolsonaro.

Como o próprio Lula ressaltou antes mesmo de ser empossado, o estrago deixado por seu antecessor, Jair Messias Bolsonaro (PL), foi tamanho que, pela primeira vez na história, um governo eleito teve de começar a governar antes mesmo de empossado. Enquanto o ex-capitão fazia as malas para fugir para os Estados Unidos para não passar a faixa a Lula, a equipe de transição trabalhava a todo vapor para aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, a fim de que o novo governo tivesse um mínimo de governabilidade no início.

Assim, Lula pode viabilizar parte das promessas de campanha, como restabelecer programas sociais, o que vem sendo chamado pela grande imprensa como “reciclagem de programas de governos petistas”, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, este último sucateado pelo (des)governo anterior.

Em sua coluna no UOL e na BandNews, o jornalista Reinaldo Azevedo não poupou críticas às análises da imprensa sobre o modo como têm classificado a retomada dos programas sociais. “Acho indecoroso tratar isso como velharia. É preciso ter um pouco de pudor, pois esses programas têm cheiro de povo. Será que isso é o que incomoda?”, questionou.

Aprovada a PEC da Transição, veio a posse, com o restabelecimento de ministérios também sucateados na gestão anterior, como Saúde, Educação e Meio Ambiente, e a criação e fortalecimento de pastas voltadas a temas da máxima urgência em uma país tão singular em desigualdades como o Brasil, como a dos Direitos Humanos, Igualdade Racial, Cultura e, pela primeira vez, um voltado aos Povos Indígenas.

Tomada a posse, veio o 8 de janeiro e uma tentativa de golpe de estado. Quem não se lembra das cenas de terroristas quebrando tudo naquele domingo nas sedes dos três poderes em Brasília?

Nesse tópico, mais uma vez, Azevedo voltou a criticar a imprensa. “Esse é o governo que venceu o golpe! Acho pornográfico que a imprensa não acrescente esse elemento, aliás deveria ser o primeiro elemento a ser avaliado como conquista desses cem dias, a defesa da democracia, de um estado de direito que venceu um golpe de estado e [de um presidente que] não caiu na conversa de permitir que os militares tomassem conta da situação. O Lula ainda mudou o comando do Exército”, ressaltou.

Outro grande desafio enfrentado por Lula foi a crise humanitária envolvendo o povo yanomami. Uma das primeiras ações de Lula foi ir ao estado de Roraima tomar pé da situação e, ao lado de ministros, buscar debelar a crise instituída pelo garimpo ilegal impulsionado ao longo da gestão Bolsonaro.

Nos primeiros cem dias, economia esteve no centro do debate produzindo algumas das primeiras marcas da gestão Lula

Em seu terceiro mandato, Lula herdou a mais alta taxa de juros (Selic) do mundo, o que impõe diversos desafios para fazer a roda da economia girar novamente. Com um cenário econômico internacional bastante desfavorável, o petista e sua equipe têm travado uma queda de braços com o Banco Central, na figura de seu presidente, Roberto Campos Neto, para baixar os juros absurdos do país.

As críticas do presidente foram ganhando corpo à medida que novos atores, como empresários, economistas e representantes de trabalhadores, também passaram a explicitar suas opiniões contrárias à manutenção da Selic nos atuais 13,75% ao ano. Para eles, não há como um país crescer com juros dessa monta.

O debate sobre os juros perpassa por várias camadas. Lula sabe que, com o desemprego alto e a perda de poder econômico da população, principalmente aquela mais vulnerável, a taxa básica de juros, usada como referência para todas as demais usadas na economia, torna-se crucial em um país como o Brasil, onde 33 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave.

Por isso, o petista tem investido na retomada de programas para tentar trazer um mínimo de dignidade à população mais necessitada do Estado, como manter o Bolsa Família em R$ 600 e pagar um adicional de R$ 150 para famílias com crianças de até seis anos, além de ter restabelecido o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). No dia 22 de março, ele também relançou o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que tem como prioridade o fomento da produção familiar.

No meio desse turbilhão, medidas econômicas foram anunciadas, com destaque para o arcabouço fiscal, regra que substitui o teto de gastos altamente ultrajado pela gestão Bolsonaro. Ainda no âmbito econômico, outros programas importantes prometidos ao longo da campanha eleitoral estão em vias de ser viabilizados, como o Desenrola, iniciativa voltada à renegociação de dívidas das famílias brasileiras.

Volta do Brasil aos holofotes internacionais e Meio Ambiente também são marcas

Outra grande marca desses cem primeiros dias foi a retomada do país como ator internacional. Lula viajou para Argentina, Uruguai e Estados Unidos e, nesta terça-feira (11), embarca para a China, viagem que teve que ser adiada por recomendações médicas.

A China é o parceiro comercial mais importante do Brasil e, por lá, os dois países devem assinar diversos acordos comerciais relevantes, principalmente para o governo brasileiro.

Como disse o jornalista e comentarista do ICL Jamil Chade, em sua coluna no UOL no fim de semana, o Brasil torna-se figura central na “guerra fria” travada entre China e Estados Unidos.

Segundo o colunista, “em Pequim, autoridades não escondem: querem colocar o Brasil num ‘novo patamar’ em sua estratégia de política externa e influência, além de contribuir para uma mudança do eixo da economia nacional. E, tudo isso, em meio a uma disputa por hegemonia com os EUA que pode definir o século 21”.

Sendo o animal político que é e com a experiência de ter governado o Brasil outras duas vezes, Lula também trouxe para o seu governo a questão ambiental ao centro do debate.

Ao criar um Ministério dos Povos Indígenas, tendo à frente Sonia Guajajara, uma importante liderança feminina representante desses povos, e Marina Silva no Meio Ambiente, o petista marcou um ponto de inflexão importantíssimo em seu governo em um tempo em que as questões ambientais têm caráter global e premente.

Desse modo, Lula vem desenhando a cara do futuro de seu governo e assim o fez principalmente na questão ambiental. Como lembrou Reinaldo Azevedo, “investimentos chegarão ao Brasil” sob essa bandeira, e o mundo quer ouvir o que o petista tem a dizer sobre esse e outros assuntos.

Tanto que foi convidado a participar da Cúpula do G7, que reúne França, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá, entre 19 e 21 de maio. Na pauta da cúpula estão guerra na Ucrânia, economia global, segurança alimentar e clima.

Como disse Azevedo, há erros nesses cem dias – não se pode negar. Mas não reconhecer os acertos dados até aqui é, para dizer o mínimo, desonesto.

Redação ICL Economia
Com informações do UOL, Folha de S.Paulo e Rede Brasil Atual

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