Mais poluentes e caras, termelétricas se multiplicam e afastam Brasil da transição energética

Estudo sobre termelétrica alerta para a expansão de “fontes sujas” de energia; ações tentam reverter medidas na Justiça
1 de julho de 2022

Nas últimas duas décadas, o Brasil aumentou a sua produção de energia elétrica em 78%, mas não manteve a mesma proporção em termos de fontes renováveis. Enquanto isso, as termelétricas tiveram suas capacidades ampliadas e se multiplicaram, especialmente após medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), trazendo impactos ao meio ambiente e encarecendo a conta de luz.

É o que apontam instituições de proteção ao meio ambiente e indica um recente estudo feito pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), divulgado nesta quarta-feira (29). O relatório se debruça sobre as dezenas de termelétricas ativas no Sistema Interligado Nacional (SIN) em 2020 e alerta para o fato de que, nas últimas duas décadas, a queima de combustíveis fósseis para produção de energia saltou de 9% para 14%.

Em comparações feitas com dados relativos ao ano 2000, o instituto também traz dados sobre a crescente diversificação das fontes de geração, incluindo algumas renováveis não hídricas, como eólica, solar e biomassa. Um contraponto à expansão da queima de combustíveis fósseis, como gás natural e carvão mineral, que quase triplicou em 20 anos, saltando de 30,6 TWh para 84,8 TWh.

Uma tendência que, de acordo com ambientalistas, aumentará se os 17 projetos de termelétricas a gás contratados durante leilão emergencial em outubro de 2021 estiverem em operação. O prazo estipulado pela Agência Nacional de Energia (Aneel) se encerrou em 1º de maio, mas a maior parte das usinas está com as obras atrasadas.

André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA, projeta que as emissões atmosféricas do setor elétrico cresceram 77% em 2021, embora alegue que os dados para uma aferição mais precisa ainda estão indisponíveis. Ele também reforça que mais de 80% da produção energética no Brasil ainda é proveniente de fontes renováveis, mas que a participação da matriz hidráulica vem caindo ao longo dos anos.

“Uma usina termelétrica é uma fonte muito importante de poluição do ar, seja lá o combustível que você coloque nela. Dependendo de onde está localizada ou a aglomeração de usinas no território, há maiores riscos à saúde pública, já que uma série de poluentes são lançados na atmosfera”, adverte.

Ranking clássica usinas termelétricas que mais poluem meio ambiente

Com dados disponibilizados pelas próprias usinas termelétricas do serviço público, um ranking classifica aquelas que mais produzem e mais poluem. Além de destacar que as usinas a carvão mineral atendem aos maiores índices de emissões de gases do efeito estufa, o estudo também sublinha os danos socioambientais da concentração de usinas.

“Chama atenção a quantidade de usinas em Manaus (AM), em Macaé (RJ) e em Capivari de Baixo (SC). Essa concentração tem sido uma tendência, talvez por motivos técnicos e econômicos, mas que podem ter consequências bastante temerárias”, destaca Felipe Barcellos, analista de projetos IEMA.

Ele também ilustra o impacto das quatro usinas que compõem o Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda. “Numa cidade que tem 5 mil habitantes, como Capivari de Baixo, a emissão é equivalente a cinco vezes a frota de ônibus de São Paulo. Isso mostra como essas usinas emitem bastante”, reforça.

Outra organização bastante atuante nessa região e no combate aos combustíveis fósseis, de modo geral, o Instituto Internacional Arayara já foi à justiça para garantir recuperação social e ambiental do “desastre” causado pelas usinas.

Em diversas ações que, somadas, chegam a R$ 1,5 bilhão, a organização exige a responsabilização das empresas Engie, Fram Capital e Diamante Brasil que tocam o empreendimento.

De acordo com Juliano Bueno de Araújo, diretor do Arayara, 95% de todas as emissões de gases do efeito estufa em Santa Catarina são produzidas pelas usinas a partir da combustão do carvão mineral brasileiro. Ele acredita que a opção é feita por uma combinação entre ganância e leniência das autoridades.

“Nosso carvão no mercado da geologia é bem magrinho. Ou seja, é preciso queimar duas a três vezes mais carvão do que na Polônia ou nos Estados Unidos para produzir a mesma energia, colocando no ar muito mais mercúrio, enxofre e gases de efeito estufa”, explica Araújo.

Crise hídrica e Eletrobras ajudaram a impulsionar termelétricas

Mesmo que ainda não estejam operando normalmente, as novas termelétricas contratadas em 2021 tiveram o caminho facilitado pela emergência hídrica, decretado pelo governo após longa estiagem em meados do ano. Diante de uma nova crise à sua imagem, Jair Bolsonaro decidiu ampliar o uso de termelétricas, aproveitando brechas abertas na legislação ambiental.

“O que vimos desde o leilão de emergência de setembro passado, onde o país contratou térmicas a gás que custam 6 vezes mais por megawatts gerado do que a térmica que está entregando a 5 anos ou a hidrelétricas. Se compararmos com o custo de uma eólica está custando de 8 a 9 vezes mais”, identifica o diretor do Arayara.

O processo de privatização da Eletrobras também contribuiu para jogar ainda mais lenha na fogueira das fontes não-renováveis. A Medida Provisória que permitiu a capitalização da estatal também previu a instalação de 8 mil megawatts em termelétricas a gás espalhadas em todas as regiões do Brasil.

A normativa que passou pelo Congresso Nacional em maio de 2021 também aprovou a prorrogação de subsídios e a sobrevida das usinas a carvão mineral, que deveriam ser extintas até 2040 para cumprir metas de descarbonização.

O licenciamento ambiental, que é a principal obrigatoriedade para a operação das usinas, também perdeu força neste período, de acordo com André Luis Ferreira. “Como o licenciamento ambiental e as agências ambientais estão completamente desestruturadas, especialmente no governo federal e no Ibama, com pouca gente e sem condições de trabalho, isso se tornou uma tônica da governança ambiental do Brasil”, protesta.

Investimentos em fontes renováveis ficará para próxima gestão

Algumas alternativas de fontes renováveis para suprir a crescente demanda por energia tendem a ser intensificadas nos próximos anos. Algumas delas, inclusive, já são conhecidas e possuem papel relevante, como a eólica, a solar e a biomassa, mas que ainda podem ser otimizadas se combinadas a outras fontes já instaladas.

Segundo Juliano Araújo, que é engenheiro especializado em Riscos e Emergências Ambientais, seria possível implementar estruturas eólica e solar em usinas hidrelétricas já instaladas, utilizando seus reservatórios sem causar danos ambientais relevantes.

“Você injeta na rede durante o dia essa nova energia e, durante a noite, você tem a energia hidráulica que já estava guardada em forma de água para gerar esse modal de flutuação”, exemplifica Araújo.

Para o engenheiro mecânico André Luis Ferreira, essa seria uma boa solução para driblar a “variabilidade” das fontes eólica e solar, que segundo ele é um importante limitador para essas matrizes. Por isso, ele afirma que a chave para a equação é o armazenamento de energia.

“Eu preciso ter energia guardada para complementar essas variações. Para curto e médio prazos, o Brasil tem uma imensa bateria que são os reservatórios das hidrelétricas existentes”, afirma o diretor-presidente do IEMA que também aposta no investimento no desenvolvimento de hidrogênio verde a longo prazo.

Araújo acredita que esse tema deve ser aprofundado em “qualquer governo que assuma no ano que vem”, especialmente pela necessidade de reduzir o custo da energia. “E não se faz isso com subsídio, se faz com energia limpa e barata. Ela precisa ser limpa porque se não você tem um efeito colateral da poluição atmosférica e do aumento de aquecimento que trazem efeitos danosos à economia”, encerra.

Brasil de Fato

 

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