O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem (14) que concordou em retirar o pedido de urgência dos textos que regulamentam a reforma tributária do consumo no Senado. A declaração foi dada após reunião com o senador Eduardo Braga (MDB-AM), provável relator dos dois projetos que tratam do assunto.
Uma das propostas regulamenta o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que agregarão os impostos nas esferas federal, estadual e municipal; o Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, que incidirá sobre produtos que causam mal à saúde e ao meio ambiente; e o cashback (estorno de valores sobre compras) para a população de baixa renda. O segundo texto, por sua vez, cria o Comitê Gestor dos futuros tributos sobre o consumo.
“A ideia não é comprometer o calendário [de aprovação desses projetos ainda em 2024], mas é dar um fôlego para o Senado poder ter espaço para um debate franco e tranquilo com a sociedade”, disse o ministro Haddad.
Braga, por sua vez, afirmou que espera a aprovação dos textos, pela Casa Maior, no final de novembro ou, no máximo, no começo de dezembro. Como haverá mudanças nas propostas no Senado, elas terão de voltar à Câmara, onde já haviam sido aprovadas.
“Todos sabem que estamos diante de um calendário eleitoral no país, e que 54 senadores estarão disputando as eleições de 2026. Para sua reeleição, é natural que esses senadores, e os outros, estejam muito envolvidos na eleição municipal. E um tema como a regulamentação da reforma precisa ser debatido não só com os senadores, mas com o setor produtivo, com a opinião pública, com o Ministério da Fazenda, estados, municípios”, afirmou o senador.
Braga aponta falhas no Imposto Seletivo criado na reforma tributária
Braga foi relator da proposta principal da reforma tributária no Senado e também deve assumir a relatoria dos textos da regulamentação. Em entrevista à edição de ontem (14) do jornal O Estado de S.Paulo, ele apontou falhas no Imposto Seletivo.
Na avaliação do senador, as alterações na proposta feitas na Câmara mudaram a função do Imposto Seletivo. “Ele não é um imposto arrecadatório, mas de impacto no meio ambiente e na saúde”, disse.
Entre os pontos criticados pelo senador está a escolha feita pelos deputados de sobretaxar carros elétricos e as bets (apostas esportivas), enquanto deixaram de fora os alimentos ultraprocessados e as armas.
“Eu acho que a gente não pode, no intuito de fazer a coisa certa, fazer da forma errada. Se tem um bem que eu quero taxar porque é importado, vamos ter coragem de criar um imposto de importação sobre esse bem. E não disfarçar o imposto de importação com Seletivo. Isso aconteceu no caso dos elétricos. Não tem lógica”, disse.
“Se tem problemas na carga tributária das apostas, vamos consertar essa carga, mas não tentar consertar usando o Seletivo. Era tudo que todo mundo sempre disse que não podia fazer com o Seletivo… Virar arrecadatório”, complementou.
Durante a tramitação na Câmara, os deputados cederam ao lobby de vários setores empresariais, contrários à inclusão de seus produtos no IS, como é o caso dos alimentos ultraprocessados. Um dos argumentos usados é de que sobretaxar esse tipo de produto atingiria diretamente as populações mais pobres – argumento este, aliás, também usado pela Fazenda.
“Qual é o critério para não ter incluído o ultraprocessado? Se esse critério vale, então vamos pegar todos os produtos populares independentemente do impacto. O carro 1.0 não é o carro popular? Ainda que não seja popular no Brasil, é chamado de popular. Pela mesma lógica, deveria estar fora [do Seletivo]. Quando a gente quer ajustar a boca ao cachimbo, você começa a distorcer”, criticou.
Apesar do tom crítico, ele disse na entrevista que não vai poupar os carros elétricos do IS, mas deverá propor gradações que os deixem em vantagem competitiva quando comparados a carros mais poluentes.
O escalonamento, no entanto, será descasado da política industrial desenvolvida pelo governo no Mover, o programa de estímulo ao setor automotivo desenvolvido pelo MDIC (Ministério da Indústria e Comércio), comandado pelo vice-presidente e ministro, Geraldo Alckmin.
Cesta básica
Outro assunto comentado por ele, mas que não deve ser rediscutido, é a inclusão das carnes na alíquota zero da cesta básica. Ele avaliou que a medida ficou desequilibrada.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem Braga é aliado, foi um dos principais defensores da medida, que ganhou apoio da maioria dos deputados na reta final da votação da regulamentação na Câmara.
O parlamentar disse que não vê viabilidade política de se rediscutir o assunto, mas pontuou que o agronegócio, o principal motor para a inclusão das carnes na cesta, quebrou um acordo feito com ele ainda na votação da proposta de emenda constitucional no ano passado, de que as carnes poderiam ser tributadas com um desconto de 60% da alíquota cheia.
“Você isentar a carne é uma coisa, isentar filé mignon é outra coisa. Então não dá para colocar isso no colo do Lula. Isso [inclusão das carnes na cesta zerada] foi uma decisão que aconteceu, no conjunto das forças que construíram um relatório na Câmara, a qual eu respeito”, disse.
Durante a tramitação na Câmara, deputados alegaram que a entrada das proteínas animais na tributação zero não deve pressionar a alíquota dos novos impostos sobre valor agregado para além de 26,5% (a média calculada pela Fazenda), porque haveria ganhos na arrecadação do Seletivo e também com a menor sonegação.
Relator se diz cético sobre o teto de 26,5%
Braga é cético sobre o teto criado pela Câmara, que determina que caso a alíquota supere o patamar de 26,5%, o governo tenha de encaminhar ao Congresso cortes de exceções para fazer com que o número de referência não seja ultrapassado.
“Tenho a convicção de que, com 26,5%, a conta não fecha. Você imagina o seguinte: pega um reservatório de água, ele transborda e você coloca uma tampa em cima. O que vai acontecer? Ou você para de botar água ou transborda. Mas o que fizeram foi isso: encheram o tanque e meteram uma tampa”, comparou.
Braga também demonstrou desacordo em votar a regulamentação em regime de urgência, como fixado hoje, o que faria com que o texto tivesse de ser levado à apreciação do plenário até meados de setembro, sob pena de trancar a pauta do Senado. O próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já disse que pretende colocar o tema em pauta só após as eleições municipais.
Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo