Pressionado pela turma da Faria Lima, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva corre contra o tempo para anunciar medidas de corte de gastos. A reunião, que começou ontem (4), deve continuar nesta terça-feira (5), quando o presidente deve ouvir outros ministros de fora da área econômica.
Lula se reuniu ontem com ministros da área econômica para tratar do tema, e coube a Fernando Haddad (Fazenda) o papel de arauto das boas notícias que ajudaram a acalmar o mercado financeiro. Ele disse que “as coisas estão muito adiantadas do ponto de vista técnico“, então, acredita que “nós estejamos prontos nesta semana para anunciar”.
A fala de Haddad ajudou o dólar a cair 1,48%, a R$ 5,78, enquanto os DIs (juros futuros) desceram por toda a curva, devolvendo parte das fortes altas da semana passada. O Ibovespa, por sua vez, teve alta parruda de 1,87%, aos 130.514,79 pontos, o maior avanço em um só dia desde os 2,21% de 6 de fevereiro deste ano
Lula ficou reunido por cerca de três horas ontem à tarde com sete ministros e três secretários para discutir os cortes de gastos no Orçamento de 2026. Participaram do encontro Haddad, Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão), Nísia Trindade (Saúde), Luiz Marinho (Trabalho) e Camilo Santana (Educação).
Até semana passada, os encontros estavam acontecendo apenas entre Fazenda e Casa Civil, além de Lula. O objetivo era blindar o pacote de vazamentos.
Saúde, Educação e Trabalho participaram das discussões porque as três pastas possuem políticas públicas que deverão ser afetadas pelas medidas de corte de gastos.
Entre as medidas em estudo, estão:
- Reformulação do abono salarial e do seguro-desemprego, sobre os quais o ministro Marinho já se posicionou dizendo, na semana passada, que não havia sido consultado sobre o tema;
- Aumentar a parcela do Fundeb (Fundo de Educação Básica) nos gastos mínimos de educação, o que diminuiria o aporte de recursos fora do fundo necessário para cumprir a regra. Hoje, esse limite é de 30%;
- Também há discussões sobre o piso constitucional da saúde;
- BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-rural e o seguro-pescador também estão na lista programas que podem ser afetados.
O objetivo do governo com o anúncio das medidas é limitar as despesas obrigatórias ao mesmo limite de crescimento permitido pelo novo arcabouço fiscal (expansão anual de até 2,5% acima da inflação).
Corte de gastos: o que o mercado quer e o que pode acontecer se o governo não atender aos anseios
De acordo com informações do blog da jornalista Míriam Leitão, em O Globo, um grande banco disse que a cifra de R$ 35 bilhões de corte, desde que seja incluído o que foi cortado anteriormente no orçamento do ano que vem (R$ 25 bilhões já anunciados), é o montante esperado. Há outros que esperam R$ 50 bilhões.
Para que tudo isso? Para que a trajetória da dívida pública, em algum momento, se inverta.
Entre as medidas mais aguardadas estão que o acesso ao abono salarial seja pela renda familiar e não pela renda individual, o que aumentaria o “foco do programa”, que sempre foi criticado pelos economistas como “pouco focado”.
Outra medida é o aumento da parcela do Fundeb incluída no cálculo do piso da educação, que hoje é de 30% e poderia ir para 50% ou 60%. Isso não é corte em si, mas uma flexibilidade maior do orçamento.
Outro aspecto considerado importante, segundo as fontes ouvidas pela jornalista, é definir o que entra ou não no teto de 2,5% de aumento real de todas as despesas. Na avaliação de uma das fontes, “se a despesa com pessoal for incluída, há risco de aumento. Hoje, essas despesas nem chegam a esse percentual, mas, se forem incorporadas, podem estimular novos reajustes além dos já concedidos este ano, abrindo espaço para mais aumentos nos próximos anos”.
Ainda segundo a mesma fonte, o ideal seria que saúde e educação, que “atualmente crescem 100% da receita do governo”, estivessem dentro desse limite de 2,5%.
O BPC, concedido a pessoas idosas e com deficiência de qualquer idade, cuja renda familiar per capita deve ser igual ou menor que um quarto do salário mínimo, que também deve ser atingido no pacote, está crescendo a 15% este ano.
Se for submetido ao novo limite, esse aumento explosivo de concessão de novos benefícios poderia ser contido. Desde que venham a funcionar as medidas anunciadas anteriormente como controle das fraudes com uso de biometria e cruzamento mensal de dados.
Embora o país não esteja à beira do precipício, o foco do mercado é a dívida pública, que, em agosto, estava em 78,5% do PIB (Produto Interno Bruto), mas a Instituição Fiscal Independente estima que continue subindo e encerre o ano em 80%.
Então, as medidas seriam no sentido de evitar um crescimento maior lá na frente.
O que pode acontecer
Um grupo de analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S.Paulo disse o que pode acontecer se o governo anunciar um pacote de medidas minguado: a percepção de risco elevada manterá o real desvalorizado, o que trará impactos diretos sobre a inflação e na condução da política monetária.
Ou seja, toda a pressão que se viu até agora, turbinada pelas incertezas em relação às eleições estadunidenses, como alertou ontem o economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, deve continuar em escala maior.
Os analistas consultados querem um pacote de corte de gastos “ambicioso”, “endereçando questões estruturais como a vinculação do piso previdenciário à política de reajuste do salário mínimo, o Benefício de Prestação Continuada/Loas, pisos constitucionais de saúde e educação, atualmente atrelados ao desempenho das receitas federais, e reformulação do abono salarial”, disse Alessandra Ribeiro, sócia e diretora na Tendências Consultoria.
Segundo ela, o principal risco agora é o anúncio de medidas de impacto pequeno ou moderado, na “linha de um pente-fino de programas já existentes, ou de pouca factibilidade”, o que pode levar a uma onda de piora das expectativas, com depreciação do real.
Gleisi lamenta pacote
Coube à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o papel de porta-voz do campo progressista para lamentar o conjunto de medidas.
“As conversas da mídia e seus economistas para cortar o orçamento público só recaem em cima daquilo que atinge o povo trabalhador e os pobres: pisos de saúde e educação, reajuste do salário mínimo, seguro desemprego, abono salarial, BPC…”, escreveu Gleisi ontem em uma rede social.
“Nada se fala dos juros estratosféricos, que vem aumentando a dívida, do sistema tributário injusto e concentrador de renda, das desonerações bilionárias. Dá uma tristeza!”.
Nesta terça-feira, tem início a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, que deve anunciar amanhã (6) nova alta da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 10,75% ao ano.
Redação ICL Economia
Com informações de O Globo, UOL, O Estado de S.Paulo e Metrópoles