Há pelo menos duas décadas é discutido um possível acordo Mercosul-União Europeia, para trocas comerciais entre os dois blocos. No entanto, as discussões estão travadas devido a exigências para cumprimento de regras ambientais por parte dos europeus, que afetam principalmente o Brasil.
O debate acerca do pacto ganhou novos contornos nas últimas semanas, após declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, claramente contrárias à celebração do acordo. Isso porque Macron tem enfrentado forte mobilização de produtores rurais.
Na mais marcante delas, no dia 29 de janeiro agricultores franceses bloquearam as principais rodovias de Paris com caminhões e tratores.
Mas, na semana passada, durante a Cúpula da União Europeia realizada em Bruxelas, na Bélgica, ficou evidente que Macron está sozinho.
Mesmo diante da manifestação de produtores rurais de diversos países contrários à importação de produtos mais baratos e aumento dos custos agrícolas, os governos da Espanha e da Alemanha manifestaram-se a favor do acordo. “Para a Espanha, o Mercosul é importante na relação econômica e geopolítica que devemos ter com um continente tão importante”, disse o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, a jornalistas em Bruxelas, após participar da Cúpula da União Europeia.
Por sua vez, o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, declarou-se “um grande fã” de acordos de livre-comércio. “Sou um grande fã de acordos de livre-comércio e também do Mercosul”, disse.
O ponto central do acordo é reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos. Mas, com o risco de não ser implementado, a não celebração do acordo vai ser ruim principalmente para os agricultores brasileiros.
Sem acordo Mercosul-UE, agricultores brasileiros têm menos chance de diversificar mercados
A China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil nos últimos anos, principalmente na compra de produtos agrícolas, com a fatia de 36% desse segmento. Por isso, analistas veem que a celebração do acordo com a União Europeia contribui para ajudar o Brasil a diversificar seus mercados e ficar menos dependente do gigante asiático.
No ano passado, por exemplo, as compras chinesas renderam ao agronegócio do Brasil US$ 60,2 bilhões, com destaque para exportação de soja (US$ 39 bilhões) e carnes (US$ 8 bilhões).
No caso da Europa, a região é a segunda maior importadora de produtos agrícolas brasileiros, depois da China, respondendo por 13% da exportação do setor e com aquisições mais variadas.
Apesar de a soja ser o carro-chefe das vendas, o Brasil tem uma exportação relevante de produtos como café, frutas e carnes para a Europa. Contudo, para analistas esse mercado poderia ser maior.
Ao podcast O Assunto, Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global, observou que o Brasil perdeu a chance de fechar o acordo com a União Europeia além de outros tratados comerciais nos anos 2000, quando o mundo estava mais aberto a acordos desse tipo.
Na avaliação dele, o pacto Mercosul-UE seria positivo mesmo não se tratando de um livre comércio. “Desde o começo, a Europa não quis dar livre comércio para os principais produtos exportados pelo Brasil, que são basicamente os produtos do complexo soja, carne, açúcar. Foi tudo negociado através de cotas de importação, portanto, de restrições quantitativas”, ressaltou.
Além dos produtos que ele cita, o texto acordado em 2019 prevê cotas para arroz, mel, etanol, queijo, leite em pó, entre outros.
Apesar dessas restrições, Jank acredita que o acordo seria um caminho para o Brasil poder fechar outras parcerias.
“É o que acabou acontecendo, por exemplo, com os países da Comunidade Andina, da América Central, o México. Eles conseguiram ampliar a diversidade de produtos exportados e, hoje, os principais clientes deles no agro são os EUA e a Europa, e o nosso é a China. Isso porque a gente não conseguiu fazer acordo nem com os Estados Unidos e nem com a Europa”, lembrou.
Por outro lado, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) acredita que o buraco é mais embaixo. Os produtores rurais, segundo a confederação, consideram o texto inicial do acordo muito bom para o agronegócio brasileiro por prever a redução e/ou isenção de muitas mercadorias. Porém, três anos após a primeira versão do tratado, a UE implementou uma lei que barra a importação de produtos de áreas desmatadas, principalmente de carne bovina.
O problema dessa legislação, para a CNA, é que ela não conversa com as regras do Código Florestal do Brasil, o que tende a travar o comércio entre os dois blocos.
Contudo, apesar dos últimos acontecimentos, a discussão do acordo segue. No fim de janeiro, a Comissão Europeia comunicou que vai continuar as negociações, a despeito da posição francesa.
“As discussões continuam e a União Europeia continua a cumprir a meta de alcançar um acordo que respeite os objetivos de sustentabilidade e respeite as nossas sensibilidades, particularmente na agricultura”, disse um porta-voz da Comissão.
Redação ICL Economia
Com informações do G1
