Ao pleitear vaga na OCDE, governo brasileiro omite orçamento secreto e falta de transparência nas contas públicas

Transparência Internacional rebaixou classificação do Brasil em relação à efetividade do país em seguir convenção anticorrupção da OCDE
19 de outubro de 2022

Para conseguir uma vaga na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o governo de Jair Bolsonaro (PL) omitiu o orçamento secreto, moeda de troca do governo com o Congresso Nacional para obter apoio. Assim, o Executivo tenta passar a impressão de que as contas públicas do país respeitam o princípio da transparência, o que não é verdade.

A informação sobre o orçamento secreto foi publicada por Jamil Chade, colunista do portal UOL e do ICL Notícias. Em sua coluna publicada no portal nesta quarta-feira (19), ele diz que teve acesso ao documento de mais de mil páginas entregue pelo governo brasileiro à OCDE, no fim de setembro.

De acordo com o colunista, a adesão à entidade, com sede em Paris, é um dos principais objetivos da política externa bolsonarista. O ingresso de uma nação, no entanto, não depende apenas de uma decisão política dos países que fazem parte da instituição, mas também de que critérios estabelecidos sejam atendidos pelo país pleiteador, entre os quais estão as contas públicas e a governança orçamentária.

O documento entregue pelo governo Bolsonaro declara que, “no que diz respeito à transparência, a governança do processo orçamentário brasileiro se destaca”. Mas omite a informação de que instituições como a Transparência Internacional classificam o orçamento secreto como o maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro na história brasileira.

Graças ao orçamento secreto, o próximo presidente do Brasil terá menos poder sobre os recursos federais em relação a todos os ocupantes anteriores do Palácio do Planalto. O instrumento de barganha política instituído pelo presidente Jair Bolsonaro, em troca de apoio político do Congresso, vai fazer com que o próximo mandatário tenha poder para controlar 60% dos recursos do Orçamento. Ou seja, os 40% restantes ficarão sob controle de parlamentares, por meio de emendas.

No Orçamento de 2023, o candidato à reeleição garantiu R$ 19 bilhões para o orçamento secreto, ao mesmo tempo em que cortou verbas destinadas a 12 programas da Saúde, incluindo um voltado ao tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, aids e hepatites virais; à saúde da população indígena e de comunidades ribeirinhas e até o Médicos pelo Brasil, que substituiu o Mais Médicos dos governos petistas. A manobra do governo foi feita para privilegiar o orçamento secreto. Bolsonaro também contingenciou recursos da educação, colocando em risco o funcionamento de universidades federais.

Para além do orçamento secreto, governo brasileiro não está em linha com a instrumentos anticorrupção da OCDE

No documento entregue à OCDE, o governo diz que está “completamente alinhado” com todos os seis instrumentos e recomendações estabelecidas pela entidade para lidar com crimes de corrupção, uma das exigências da OCDE para que o país seja aceito na organização considerada um “clube de países ricos”.

Contudo, internamente a OCDE já demonstrou profundo desconforto diante das intervenções de Bolsonaro na PF (Polícia Federal), no desmantelamento de ações anticorrupção e no esvaziamento de medidas concretas para combatê-la.

Em seu memorando inicial, o governo brasileiro afirmava que o Brasil está “totalmente alinhado” com a Convenção Antissuborno da OCDE, o principal instrumento da organização sobre o tema da corrupção. Mas, no relatório “Exporting Corruption” lançado na semana passada, a Transparência Internacional rebaixou a classificação do Brasil, de cumprimento “moderado” para “limitado”, em relação à efetividade do país em seguir esta convenção.

Segundo Jamil Chade, entre os motivos para a queda do Brasil estão perda de independência de instituições que atuam no controle da corrupção internacional, em especial a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI, vinculado ao Ministério da Justiça); a descontinuação do modelo das Forças-Tarefas (essencial para investigações de casos complexos de corrupção internacional), sem sua substituição por estruturas adequadas de trabalho em equipe e cooperação interinstitucional; e a transferência da competência de investigação de casos de corrupção e lavagem de dinheiro quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois) para a Justiça Eleitoral, com menos estrutura e especialização para processar crimes complexos.

Além das omissões já listadas, o governo também escondeu em seu relatório a Lei de Abuso de Autoridade, de 2019, que, embora tivesse coibido abusos, também abriu brechas para insegurança na atuação dos agentes da lei, motivo que a levou a ser criticada pela OCDE; e os motivos que levaram a OCDE a criar de forma inédita um grupo de monitoramento, em 2020, sobre o Brasil. O texto de fato cita a missão especial. Mas silencia sobre o fato de que tal iniciativa foi tomada diante dos retrocessos identificados no país e de descumprimentos graves da Convenção Antissuborno.

“É sintomático que o governo Bolsonaro não permita que a sociedade brasileira tenha acesso ao documento de autoavaliação que apresentou à OCDE. Ao longo de quatro anos de governo, foram inúmeras as tentativas, muitas delas bem-sucedidas, de se ocultar dados inconvenientes para o governo e de hostilizar jornalistas e ONGs que questionam informações oficiais incompletas ou inverídicas”, disse, disse Guilherme France, consultor da Transparência Internacional – Brasil, à coluna.

Redação ICL Economia
Com informações do UOL 

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