Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
O “dono” da economia brasileira, Roberto Campos Neto, parece realmente acreditar que ele não é somente o presidente do Banco Central, mas sim seu dono até o final de seu mandato, em 2024. E, na última semana, dois grandes absurdos foram cometidos por ele, que chocaram até mesmo os economistas liberais mais comportados.
Confundindo independência com posse da instituição para si, ele está censurando entrevistas de diretores da entidade, não permitindo que falem, principalmente Gabriel Galípolo, o ex-número 2 da Fazenda e que é o novo nome colocado pelo governo Lula na instituição.
Além disso, Campos Neto cogitou, em uma entrevista para uma das maiores consultorias de investimentos do mundo, a possibilidade de terceirizar a gestão dos ativos da entidade para terceiros, o que, obviamente, seriam agentes privados do mercado financeiro.
A primeira parte é preocupante pois parte da lógica de que o Banco Central não deve apresentar divergências internas, como se todos estivessem unidos em torno da condução da política monetária brasileira. A desculpa é que ruídos poderiam atrapalhar as “expectativas” que giram em torno da formação inflacionária e “desancorar” tais expectativas, o que causaria mais inflação ainda.
A desculpa com ares técnicos na verdade disfarça apenas uma situação: a de que o Banco Central ainda tenta vender que suas escolhas de política econômica são meramente técnicas e irretocáveis, não tendo nenhum elemento ideológico em seu componente.
Então, se existe essa concordância e a escolha é tecnicamente precisa, por que evitar que um diretor fale e dê entrevistas sobre o tema? Somente pelo fato de que a condução de política monetária não é uma unanimidade.
O componente técnico já foi até mesmo questionado, já que cálculos independentes mostram uma taxa Selic bem acima do ideal.
De fato, o que existe é uma censura buscando justificar essa política atual da taxa de juros absurda, já que uma possível entrevista de Galípolo poderia levantar pontos técnicos relevantes para o debate, mostrando que as atitudes de Campos Neto e outros diretores podem estar equivocadas e passíveis de discussão.
Mas, para o “dono” da economia brasileira, isso é inadmissível, pois ele não erra, é meramente técnico e sabe mais do que qualquer brasileiro o que deve ser feito para a economia brasileira ter os melhores resultados possíveis. Porém, a competência toda que Campos Neto acredita que o Banco Central tem para conduzir a política monetária parece não existir quando se trata da condução de ativos do BC.
O presidente da autoridade monetária admitiu que pensa na possibilidade de uma terceirização da gestão de ativos por agentes privados, o que elevaria, na sua visão, a eficiência da gestão. Isso significaria, de fato, que a Faria Lima teria acesso a parte dos US$ 350 bilhões em reservas internacionais da qual o Banco Central tem em seu caixa, e os agentes privados seriam os responsáveis por manter e até mesmo aumentar a quantia.
A gestão atual de ativos é feita por agentes públicos concursados, que fazem tal gestão a partir das necessidades do Banco Central em manter o nível de reservas estrangeiras num grau de elevada segurança financeira, além de garantir o cumprimento da meta Selic definida pelo Copom (Comitê de Política Monetária).
A terceirização elevaria potencialmente o risco que tal volume de dinheiro seria submetido, podendo inclusive ocorrer perda de recursos pela utilização desses ativos em fundos de maior risco que a gestão atual.
Em resumo, tivemos na semana duas situações que mostram claramente que Roberto Campos Neto acredita que não seja somente o presidente do Banco Central, mas sim seu dono. Entrevistas de outros membros são proibidas, principalmente se levarem a uma opinião contraditória de outro funcionário público. Além disso, quer colocar mais uma parte do Banco Central na mão da Faria Lima, levando a níveis inacreditáveis o poder do mercado dentro da instituição.
Esse tipo de situação só mostra quão absurda é a gestão Campos Neto dentro do Banco Central, que a grande mídia, às vezes, parece relevar.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira