O caminho da equipe econômica do governo Lula para conseguir zerar o déficit fiscal em 2024 não será fácil. Até agora, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem obtido certo sucesso no Congresso para a aprovação de medidas importantes para ajustar as contas. Porém, como o crescimento da arrecadação permanece uma incógnita, economistas projetam que Haddad deve promover, logo de cara, um corte substancioso nos gastos para cumprir as regras do novo arcabouço fiscal, que começa a valer em 2024. As projeções indicam até R$ 53 bilhões de contingenciamento de despesas.
O novo arcabouço fiscal, conjunto de regras para calibrar o crescimento de despesas do governo com a arrecadação, prevê que a trava pode chegar a 25% das despesas discricionárias, parte não obrigatória dos gastos que inclui custeio e investimentos. Como a proposta orçamentária de 2024 prevê R$ 211,9 bilhões para as discricionárias, o contingenciamento pode chegar a R$ 53 bilhões.
No entanto, o valor exato do aperto só será conhecido no início do ano, quando houver dados mais concretos sobre a evolução da arrecadação e o avanço ou não das medidas enviadas ao Congresso Nacional.
Entre as medidas que geram incerteza entre economistas estão o corte de R$ 12,5 bilhões nos gastos com a Previdência, sob a justificativa de que o governo economizará esse valor a partir de um processo de revisão de benefícios; R$ 34,5 bilhões em receitas extras com ajustes de contratos de ferrovias, cujo processo de conciliação está em curso no TCU (Tribunal de Contas da União); e a desoneração da folha de pagamentos. Neste último caso, o Congresso deve dar aval à prorrogação de benefício a empresas de 17 setores, com impacto de R$ 9,4 bilhões anuais na arrecadação.
Essas incertezas fazem com que economistas avaliem que a equipe econômica esteja subestimado parte dos gastos no Orçamento de 2024, o que seria um indício de que o governo começará o ano com a trava. O pacote da equipe econômica enviado ao Legislativo prevê R$ 168,5 bilhões em receitas extras, mas esse valor, ao menos por ora, ainda é incerto.
A economista Vilma da Conceição Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado, disse ao jornal Folha de S.Paulo que o nível de bloqueio tende a ficar no teto permitido pelo novo arcabouço fiscal.
“Nosso cenário de restrição de receita leva ao teto do contingenciamento e, se nos primeiros dois meses do ano que vem o Executivo não confirmar as suas projeções, vai ter de seguir por aí”, pontuou.
Em seu último relatório, o IFI destacou que o valor máximo da trava ainda é inferior ao montante previsto para investimentos públicos.
O regime fiscal fixou um patamar mínimo de 0,6% do PIB (Produto Interno Bruto) para essa finalidade, o equivalente a R$ 68,5 bilhões. A previsão efetiva de recursos está em R$ 69,7 bilhões para o ano que vem.
Nesta terça-feira (17), a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, comparece mais uma vez à CMO (Comissão Mista de Orçamento) do Senado para tratar do projeto da Lei Orçamentária Anual para 2024 (PLN 29/2023). Ela já esteve lá em agosto para debater a proposta.
Para analistas, há muitas receitas incertas inclusas no Orçamento, o que coloca sob risco cumprimento da meta de zerar o déficit fiscal
Também à Folha, o economista Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), disse que a incerteza na efetivação das receitas inclusas no Orçamento de 2024 põe em xeque o cumprimento da meta de zerar o déficit.
“Tem muita receita ainda incerta incluída no Orçamento. Vão ter de fazer o contingenciamento”, afirmou. “A conta vai depender muito do que eles tiverem aprovado no Congresso e o potencial de arrecadação disso, e de como a recuperação de preços das commodities vai afetar a arrecadação. Mas, considerando isso à parte, não é difícil imaginar cenários que poderiam chegar [a um valor de bloqueio] entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões”, complementou.
No entanto, pesa no contingenciamento alguns fatores. Os investimentos são uma das vitrines do governo Lula e cortes não interessam a aliados do governo nem ao Congresso, ainda mais em 2024, ano de eleições municipais.
O Congresso já sinalizou preferir um déficit reduzido em 2024 e uma busca pelo reequilíbrio em ritmo mais gradual.
É o caso do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator da proposta da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que insiste na revisão da meta definida pelo ministro da Fazenda.
“O ministro Haddad tem o compromisso com a meta zero, a gente vê a boa vontade dele. Mas temos queda de arrecadação e aumento das despesas. Fica cada vez mais difícil, na minha compreensão, que ele vá alcançar essa meta. Foi por isso que atendi ao pedido da ministra Simone Tebet [Planejamento] e adiei a votação da LDO para novembro”, afirmou.
À reportagem da Folha, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que o contingenciamento não faz parte do cenário do governo, mas reconheceu que uma definição mais concreta vai depender da evolução das medidas de arrecadação. No entanto, ressaltou que, no momento, o governo trabalha com um cenário em que as medidas são aprovadas.
“A gente tem, na nossa opinião, condições de tocar gestão orçamentária sem grandes sobressaltos, ainda que tenha alguma frustração pontual”, disse.
O próprio Tesouro Nacional já fez alertas para a necessidade de contingenciamento em 2024 para cumprir a meta fiscal. Mesmo com um esforço adicional pelo lado das receitas, o governo ainda teria de segurar R$ 56,5 bilhões em despesas, segundo estimativas dos técnicos divulgadas no Relatório de Projeções Fiscais, em julho.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e da Folha de S.Paulo