Em derrota para o governo, Câmara aprova desoneração da folha para 17 setores. Lula diz que benefício tem que chegar aos trabalhadores

O presidente lembrou que, durante a gestão de Dilma Rousseff, de 2011 a 2015, o governo federal desonerou R$ 540 bilhões, sem contrapartida. “Isso significa a gente não colocando os trabalhadores para negociar, só um lado ganha e nós queremos com os dois lados ganhando”
31 de agosto de 2023

Em um momento em que o governo Lula faz um esforço para aumentar a arrecadação e equilibrar as contas públicas, a Câmara dos Deputados aprovou ontem (30) o projeto de lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, contrário à prorrogação, disse que a pasta não foi procurada para debater o assunto. O impacto da medida é de R$ 9,4 bilhões ao ano para os cofres da União.

O projeto recebeu 430 votos favoráveis e 17 contrários. Na noite anterior, a Câmara já havia aprovado a urgência da matéria por 390 votos — mais do que os 308 votos exigidos para a votação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Somente 15 parlamentares votaram contra a urgência. Devido à alteração na proposta, o texto volta agora para o Senado.

Os deputados aprovaram o substitutivo ao Projeto de Lei 334/23, do Senado, da relatora, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS).

Sob o argumento de que esses setores são os que mais geram empregos no país, a desoneração da folha substitui a contribuição previdenciária patronal, de 20% sobre a folha de salários, por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. A ideia é que esse mecanismo reduza os encargos trabalhistas dos setores desonerados e estimule a contratação de pessoas. O benefício acabaria em 31 de dezembro de 2023.

A relatora da matéria incluiu de última hora um artigo no texto que permite que empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros tenham uma redução da alíquota da contribuição sobre a receita bruta de 2% para 1% até o fim de dezembro de 2027.

O substitutivo da relatora também incluiu um ponto polêmico, criticado por Haddad, que é a diminuição da contribuição previdenciária de todos os municípios, que valerá igualmente até 2027, e terá uma variação de 8% a 18% de acordo com o PIB (Produto Interno Bruto) de cada cidade.

Atualmente, a contribuição patronal por contratações pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é de 20%, e o texto dos senadores previa 8% para cerca de 5.300 municípios, ou seja, a Câmara alargou esse escopo.

Haddad pretendia discutir desoneração da folha após a reforma tributária sobre o consumo

Crítico à medida, Haddad queria dar uma solução ao tema dentro das alterações no Imposto de Renda, que seriam tratadas após a discussão da reforma tributária sobre o consumo, que tramita no Senado.

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, fontes familiarizadas com as negociações afirmam que o governo tentará reverter a medida no Senado. Porém, também nessa Casa o governo sofreu derrota quando a proposta foi aprovada com a redução de 20% para 8% na contribuição previdenciária paga por municípios com até 142,6 mil habitantes, ponto ampliado pelos deputados para todos os municípios, conforme o projeto aprovado ontem.

Ontem, após a aprovação do projeto na Câmara, Haddad disse que o avanço no Congresso de um socorro a prefeituras, por meio do corte de alíquotas previdenciárias sobre a folha de servidores, está “um pouco atabalhoado”.

Segundo Haddad, a Fazenda está aberta a discutir alguma saída razoável para os municípios, sem desequilibrar as finanças da União, mas até agora não foi procurado para tratar do tema.

“Eu acho que está um pouco atabalhoado o processo. Você vai criar uma nova renúncia fiscal, sem lastro, sem repor. Como é que vai ficar o déficit da Previdência? Então, é uma questão de razoabilidade. Não estou pedindo nada que não seja razoável. E estou me colocando à disposição, também”, afirmou Haddad a jornalistas na saída do ministério.

Além disso, o ministro já deu várias declarações dizendo que considera inconstitucional a renovação da desoneração da folha. Ele afirmou contar com um parecer vinculante da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) nesse sentido, baseado na emenda constitucional da reforma da previdência, que restringe novas renúncias de receitas nessa área.

Só essa medida tem um impacto para o governo federal entre R$ 7,2 bilhões, nos cálculos da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), e R$ 9 bilhões, segundo estimativas do Ministério da Fazenda.

Desoneração da folha deve beneficiar trabalhadores, defende Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, nesta quinta-feira (31), que a desoneração de receitas do governo federal deve beneficiar os trabalhadores, não apenas os empresários. Além disso, segundo ele, medidas como essa devem prever o impacto nos demais entes da federação, especialmente os municípios.

Em evento em Teresina, no Piauí, Lula comentou a aprovação do projeto de lei. “Cada vez que for discutida desoneração, é preciso cuidar de colocar os empresários, colocar os trabalhadores e colocar o governo [pra discutir], porque é preciso saber se a desoneração vai beneficiar só o empresário ou se ela vai beneficiar os trabalhadores que trabalham naquela empresa, que têm o direito de ganhar alguma coisa pelo benefício que o governo deu para aquele setor da economia”, disse Lula.

O presidente lembrou que, durante a gestão de Dilma Rousseff, de 2011 a 2015, o governo federal desonerou R$ 540 bilhões, sem contrapartida. “Isso significa a gente não colocando os trabalhadores para negociar, só um lado ganha e nós queremos com os dois lados ganhando”.

Segundo Lula, as prefeituras do país estão em crise financeira diante da queda de arrecadação do governo federal, em razão da consequente diminuição do compartilhamento de receitas. Ele destacou que o Executivo federal está preocupado com a situação dos governos municipais.

“Cada vez que desonera, que o governo federal perde receita, no fundo, quem perde receita é o município que recebe do Fundo de Participação dos Municípios, que não tem dinheiro não vai para ele”, disse.

“É na cidade que está o problema da saúde, da educação, é na cidade que está a rua que não tem asfalto, que não tem esgoto, é na cidade que falta ônibus, então nós temos que tratar o prefeito com muito respeito sempre. Agora mesmo, nesse momento, que os prefeitos estão vivendo uma crise financeira muito séria. Na medida que cai arrecadação do governo federal, cai o Fundo de Participação dos Municípios e a gente vai sempre dando mais obrigatoriedade para os prefeitos sem repassar a quantidade de dinheiro equivalente às obrigações”, argumentou Lula.

O presidente está em Teresina, no Piauí, onde anunciou os investimentos do Novo PAC no estado e, no fim do dia, lança um novo programa com objetivo de tirar o Brasil do Mapa da Fome, reduzir as taxas de pobreza e de insegurança alimentar e nutricional.

Redação ICL Economia
Com informações da Agência Brasil e da Folha de S.Paulo

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