Embora não seja a versão mais perfeita, a reforma tributária sobre o consumo, aprovada no Senado no último dia 8 de novembro, encerra uma discussão que dura há pelo menos quatro décadas no Brasil. O arcabouço tributário existente no país remonta à época da ditadura militar. Agora, a expectativa é de que o próximo passo para as mudanças tributárias seja a reforma do imposto sobre a renda e a revisão de todas as exceções e benefícios tributários existentes, para que se coloque em prática o lema de campanha do presidente Lula, de “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”.
Em entrevista ao programa Em Detalhes, do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), o secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Santos Mello, disse que a equipe econômica está “tranquila” em relação a um possível fatiamento do texto, que agora passará por nova análise na Câmara dos Deputados. Fatiar o texto seria promulgar as partes acordadas entre as duas Casas e deixar as partes de discordância para um debate posterior, uma vez que os senadores fizeram muitas mudanças no texto que já havia sido aprovado pelos deputados em julho. Assim, evita-se o efeito “pingue-pongue” da proposta, atrasando os planos do governo de ter o texto promulgado ainda este ano.
Na avaliação de Mello, a tranquilidade do governo se deve ao fato de que o essencial do texto foi mantido, ou seja, a simplificação do sistema, em que se unifica os diversos tributos existentes em apenas dois, o chamado IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, acabando, desse modo, com o famigerado “manicômio tributário”, nas palavras de Mello.
Assim que for promulgada a reforma sobre o consumo, o próximo passo, segundo o secretário, é o envio do texto com as mudanças no imposto sobre a renda, o que a equipe econômica espera fazer até o fim deste ano.
Em artigo escrito na Folha de S.Paulo, o cineasta e economista Guilherme Cezar Coelho diz que a aprovação da reforma, ainda que imperfeita, significa “um passo à frente”. E, apesar do texto imperfeito, pior seria se o Brasil continuasse nessa discussão empacada há décadas.
“Ao transformarmos nossos impostos de consumo em impostos de valor agregado, estamos nos juntando às economias que deram mais certo e estamos fazendo justiça com quem paga esses impostos, pois o dinheiro ficará onde o bem ou serviço for consumido”, pontuou em seu artigo.
O economista destaca as exceções incluídas no texto do Senado, por força de lobbies de alguns setores, as quais, “além de indevidas, foram excessivas”. Isso pode resultar em uma alíquota de imposto no Brasil entre as mais altas do mundo.
Sobre esse tópico, o secretário de política econômica da Fazenda disse que há estudos dentro da pasta apontando para uma alíquota de, no máximo, 27%. Contudo, ele ressaltou que é preciso ver como ficará o texto final para saber exatamente o percentual.
Ganho da reforma tributária foi aprovação de sugestão do TCU para revisão das exceções a cada cinco anos
Em seu artigo à Folha, Coelho destaca que a “boa notícia” é que, por sugestão do TCU (Tribunal de Contas da União), o Senado aprovou, dentro do texto da reforma tributária do consumo, uma revisão de todas as exceções a cada cinco anos.
Ele defende ainda que é preciso rever as isenções fiscais que já existem, que devem somar R$ 486 bilhões em 2024. Por isso, o cineasta e economista defende “cortar gastos tributários”. “Sem métrica e sem transparência, as isenções fiscais brasileiras precisam imediatamente passar por um pente-fino”, diz.
Sobre isso, pode-se dizer que a reforma tributária sobre a renda já começou. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem batido nessa tecla desde que assumiu a pasta, centrando suas críticas nos privilégios tributários que beneficiam um grupo restrito de bilionários. Entre as propostas, está o projeto de taxação dos super-ricos e offshores, já aprovado na Câmara e que agora tramita no Senado.
O artigo de Coelho cita estudo da Receita Federal de 2019, que mostrou que os gastos no Brasil com isenções tributárias corresponderam, naquele ano, a 4,8% do PIB (Produto Interno Bruto), quando o ideal teria sido 2%.
No estudo, o órgão recomendava que as revisões e reduções de isenções fiscais fossem feitas de maneira integrada à reforma tributária, e o jeito de garantir segurança jurídica e previsibilidade seria por meio de transições.
A Receita dá a dica de que ao menos R$ 50 bilhões das isenções poderiam ser reduzidos ano a ano, todos os anos. “Esses R$ 50 bilhões são, por acaso e sorte, exatamente o montante que caminha para nos desequilibrar fiscalmente no ano que vem”, diz trecho do artigo.
Em outro trecho, ele aponta que, entre os gastos tributários em isenções fiscais, o maior deles é o regime especial do Simples Nacional: cerca de R$ 118 bilhões em 2024. “Apesar do nome, o Simples complica em muito o nosso já asfixiante cipoal tributário, contribuindo para o que se chama de ‘desigualdade horizontal’ na tributação”, pontua.
No entanto, Coelho ressalta que não é o caso de acabar com o Simples, “mas de corrigir o modelo”, pois “um Simples bem desenhado seria bom”. “O problema do desenho atual é que cria injustiças de início: o Simples era para ser para os pequenos e, nesse sentido, seria justo e ainda incentivaria a formalização. Porém, ele foi se deturpando e acabou dando benefícios injustificáveis aos grandões. O que menos precisamos agora é aumentá-lo”, defende.
De modo geral, o economista cineasta também defende a revisão do MEI (Microempreendedor Individual), pois “o MEI, como o Simples, gera ineficiência alocativa ao incentivar empreendedores a não ultrapassar o teto de faturamento, mantendo-se ‘micro’ e, assim, reduzindo seu acesso à escala, tecnologia e, por consequência, limitando sua produtividade. O MEI ainda esconde uma verdadeira bomba-relógio para a Previdência, um problema ainda sem discussão”, salienta.
Por isso, ele defende que uma forma de permitir que empreendedores do MEI e Simples possam crescer seria reduzir os custos da folha de pagamento e o impostos de renda para todos os setores e não apenas para os que têm lobby forte.
“Assim, seria possível encontrar ‘o meio do caminho’ entre essas perdas de receita e os impossíveis R$ 118 bilhões hoje gastos com o Simples Nacional anualmente, mitigando também o rombo do MEI na Previdência”, diz.
Enfim, o caminho é longo, mas todas essas discussões são importantes para a reorganização do Estado brasileiro no sentido de ter um crescimento sustentado e uniforme no futuro.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo