A desigualdade tributária no Brasil consome boa parte da renda dos mais pobres e da classe média, enquanto os “super-ricos” pagam muito menos impostos em relação ao quanto ganham. E se engana quem pensa que esse sistema vai mudar com o projeto recém-aprovado pelo Senado, que prevê a taxação de fundos exclusivos e offshores (investimentos feitos no exterior), e que segue agora para a mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar ou não. Como disse mais de uma vez o economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, o projeto é “uma farsa”.
Na edição de quarta (29) do ICL Notícias, live diária transmitida via redes sociais, Moreira explicou, de modo bastante didático, os “mitos” do arcabouço tributário brasileiro.
Para isso, ele usou um relatório sobre a carga tributária no Brasil, elaborado pelo Ministério da Fazenda em novembro de 2018, no governo do ex-presidente Michel Temer.
O documento, que usa dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), aponta que, no que se refere ao imposto sobre a renda, o Brasil está abaixo da média mundial (34,3%). “A carga tributária do Brasil está abaixo da média mundial, abaixo do que as grandes economias cobram, porque elas são caras para se manter”, disse Moreira.
À época do relatório, o Brasil tinha uma taxa média de impostos sobre a renda de 32,29%, enquanto os países no topo da lista, Dinamarca em primeiro e França em segundo, tinham, respectivamente, taxas de 45,9% e 45,3% sobre a renda.
“Olhando a carga tributária sozinha, não dá para dizer que o Brasil tem uma grande carga tributária. A pergunta é: quem paga imposto no Brasil e quem não paga imposto no Brasil?”, questionou Moreira.
Por essa razão, é preciso, segundo ele, ter consciência de classe e não se juntar, por exemplo, “à turma do pato amarelo”, numa alusão à campanha feita pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) contra a carga tributária no Brasil, à época em que o milionário Paulo Skaf presidia a entidade, e que se tornou um dos símbolos das manifestações pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT).
Desigualdade tributária: imposto sobre o consumo leva boa parte do rendimento de quem ganha menos no país
Quando se olha o outro gráfico mostrado no relatório feito pela Fazenda, o Brasil sobe para o topo da lista quando se trata de impostos sobre o consumo.
“Aqui, o Brasil está no pódio. Os países mais pobres vão para cima, enquanto os mais ricos, como Suíça e Japão, vão para baixo”, apontou Moreira.
A Hungria ocupa o primeiro lugar, com uma carga de 16,7%; a Grécia em segundo, com 15,8%; e o Brasil está em terceiro lugar, com 15,4%.
Lembrando que a primeira etapa da reforma tributária (PEC 45/19) brasileira, que tramita na Câmara, propõe modificar a estrutura tributária sobre o consumo, por meio da simplificação do sistema. A segunda fase, que vai focar na mudança de impostos sobre a renda, deve ser encaminhada até o fim do ano ao Congresso.
Outro gráfico mostrado por Eduardo Moreira em sua explicação, o que trata de imposto sobre renda, lucro e ganho de capital, muda o Brasil de posição novamente. Aqui, a Dinamarca aparece em primeiro lugar, com uma taxa de 28,7%; e o Brasil em último, com uma taxa média de 4,5%.
“O Brasil está abaixo da média da OCDE [11,4%]. O Brasil é o último, o que menos paga imposto sobre renda, lucro e ganho de capital. Esse é o imposto do rico”, disse o economista.
Segundo Moreira, no Brasil, o pobre não paga imposto sobre a renda, mas gasta boa parte do que recebe pagando impostos sobre o consumo. A classe média, por sua vez, paga um imposto médio de 20% sobre a renda mais os impostos sobre o consumo, também consumindo boa parte de sua renda. Nos dois casos, não sobre muito dinheiro para poupar.
Por fim, o rico para uma alíquota de 6% sobre a renda, os impostos sobre o consumo, mas sobra muito para poupar.
“Essa é a diferença: a classe média consome tudo [a renda], o pobre consome. O muito rico tem muito dinheiro e não consegue consumir tudo. Tem muito para guardar e é essa parte que ele guarda que é a que não se consegue taxar [no Brasil]. Esse resto todo onde ele coloca? No fundo exclusivo, esse que o congresso, junto com o governo, deram um desconto de metade do que eles deviam em vez de começar a cobrar, como fizeram com a gente”, resumiu Moreira.
Pelas contas do economista, o maior pagador de impostos no Brasil, proporcionalmente à renda, acaba sendo a classe média; o segundo maior pagador proporcional é o mais pobre, enquanto o rico paga pouco em relação ao que ganha.
“O rico que poupa guarda o dinheiro onde? Na dívida pública, que no país que a gente vive tem o maior juro real do mundo. E quem paga o maior juro real do mundo, para o dinheiro do mais rico? O imposto pago pelo mais pobre e pela classe média”, resumiu.
Por que a taxação de fundos é uma “farsa”
Na edição de 27 de outubro do ICL Notícias, Moreira já havia explicado por que os super-ricos detentores dos fundos exclusivos ganharam um bônus com o projeto de taxação aprovado pelo Congresso. “[Pela legislação anterior] eles pagavam 15% de imposto na hora do resgate e, agora, vão pagar 8%. Ou seja, vão ganhar um desconto de quase 50% sobre o rendimento”, disse. (Leia a notícia sobre a explicação dele clicando aqui).
De acordo com o economista, que trabalhou no mercado financeiro por cerca de 20 anos, há hoje cerca de R$ 1 trilhão nesses fundos. “Diferentemente dos outros fundos de investimentos, em que o cotista paga um imposto compulsório a cada seis meses sobre o lucro, o chamado come-cotas, nos fundos exclusivos não há esse mecanismo”, explicou.
Na avaliação de Moreira, a proposta tem sido vendida pela grande mídia como se fosse uma vitória do governo, mas não é, pois se trata de uma benesse aos muito endinheirados do país.
Veja o vídeo de Eduardo Moreira explicando as desigualdades tributárias no Brasil:
Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias