Em coluna para o jornal Folha de S.Paulo, o economista André Roncaglia faz uma ironia a respeito da fala de pessoas que tentam minimizar os bons números da economia brasileira no primeiro ano do governo Lula 3, atribuindo ao “fator sorte” tudo o que aconteceu.
Intitulada “A sorte visita quem arruma a casa!” (para ler a coluna, clique aqui), o professor de economia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP e comentarista de economia do ICL (Instituto Conhecimento Liberta) diz em um dos trechos: “O PIB deve crescer 3% [em 2023], surpreendendo as previsões — eleitoralmente ressentidas — do mercado (0,8% no início do ano). Haja sorte!”.
Enquanto em uma via o mercado errava feio todas as projeções, de outro, a equipe econômica do governo, antes mesmo da posse, começava a espanar as toneladas de poeira deixadas pelo governo antecessor.
Segundo o economista, a equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tomou medidas importantes, mesmo com “parcos recursos institucionais e políticos”, abrindo caminho para “arrumar a casa” após aprovar a PEC da Transição.
Entre as ações, o governo Lula 3 não só manteve como reforçou o Bolsa Família, promoveu a política de valorização do salário mínimo, reativou o programa Farmácia Popular, reajustou bolsas de estudo e pesquisa, lançou o programa Desenrola Brasil para ajudar famílias endividadas, medidas as quais, somadas a outras, “produziram efeitos macroeconômicos benignos”.
Em suma, o primeiro ano do governo, após os desastrosos mandatos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, foi de arrumação da casa. Para 2024, a expectativa é de que a arrumação continue em um cenário diferente.
Economia brasileira: a faxina continua
O Orçamento de 2024 tem a meta a ser perseguida pelo ministro Haddad de zerar o déficit fiscal (equilíbrio entre receitas e despesas). Para isso, o mandatário da Fazenda se esmerou nas negociações com o Congresso ao longo do ano para aprovar medidas importantes de correção de rota para elevar a arrecadação.
Um dos grandes feitos foi, após quase quatro décadas, a aprovação da reforma tributária do consumo, com dispositivos que ainda precisam ser regulamentados pelo Congresso para começarem a valer. A próxima etapa será a reforma do imposto sobre a renda.
Embora o texto tenha sido modificado pelos parlamentares, com uma série de exceções para atender a lobbies de setores econômicos, a espinha dorsal da reforma, que é a simplificação do arcabouço tributário, foi mantida.
Somado a isso, nos últimos dias do ano o ministro da Fazenda atrasou o recesso de réveillon para anunciar uma medida provisória para limitar o chamado “gasto tributário” do governo, incluindo uma alternativa à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia até 2027, cujo veto do presidente Lula foi derrubado pelo Congresso.
Tudo isso aconteceu em um cenário político adverso, com o Congresso mais conservador do período democrático brasileiro e uma política monetária com juros na casa dos 13,75% ao ano, o que contribuiu para contrair o crédito e os investimentos.
Somente em agosto, após quase um ano, o Banco Central iniciou a trajetória de queda da taxa básica de juros (Selic), que agora está em 11,75%, um patamar menor, mas ainda um dos mais altos do mundo.
O ano termina com a Selic menor, uma previsão de PIB melhor que o esperado e, pela primeira vez depois de dois anos, a inflação deve encerrar o ano abaixo do teto da meta estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).
Lembrando que, em janeiro do ano passado, os analistas apostavam em um PIB na casa dos 0,8%, inflação de 5,31% e Selic em 12,25%.
Mercado financeiro mais pessimista de um lado, enquanto, de outro, o governo trabalhava para atrair sorte.
O que esperar para 2024?
Na avaliação de Roncaglia, a expectativa é de que, este ano, haja uma desaceleração da economia brasileira, como já vem acontecendo desde o terceiro trimestre de 2023. “E esse processo de desaceleração vai encontrar um orçamento fiscal também mais constrangido, mais restrito por conta da meta de déficit zero que o Ministério da Fazenda estabeleceu para o ano que vem. Isso vai limitar evidentemente a expansão do investimento público, e o investimento privado já vem caindo. Então, isso tende a tirar uma parte importante do dinamismo da economia”.
No entanto, ele prevê que “o cenário externo vai ajudar o Brasil em duas frentes. Primeiro, que a desaceleração chinesa tende a não ser tão intensa. Então, isso vai ajudar as nossas exportações. E imagino que o Banco Central Americano vá conseguir iniciar o ciclo de corte de taxa de juros já no segundo trimestre no ano. É bem possível que os bons ventos do exterior ajudem a economia nesse sentido. Com isso, eu prevejo um crescimento pouco acima de 2%, possivelmente ali entre 2% e 2,5%. A inflação vai ter uma sustentação, mas imagino que deva fechar próximo da meta, em algo em torno de 3% e 3,5% no ano”.
Para ele, as exportações brasileiras vão arrefecer, “muito possivelmente por eventos climáticos que já estão programados e que devem afetar bastante a safra de soja e de milho, que são dois importantes produtos da nossa pauta. Então, deve ser um cenário de desaceleração, mas que vai contar com alguma ajuda, tanto da queda da Selic aqui dentro, quanto de um cenário externo mais benigno ou menos pessimista, pelo menos”.
O economista e apresentador do programa Mercado e Investimentos, no canal de YouTube do ICL Notícias, André Campedelli, disse que o ano de 2023 foi melhor que o esperado, salientando, além de PIB, inflação e Selic, “o desemprego em um dos níveis mais baixos da série histórica”.
“Os bons resultados se deram por um cenário econômico propício que permitiu uma agricultura batendo recordes no ano e, também, pelo aquecimento da chamada economia urbana, com as pessoas consumindo mais bens e serviços devido à alta da renda e mais segurança sobre sua situação futura no emprego”.
Sobre 2024, Campedelli acredita que será um ano mais desafiador para o governo. “O primeiro deles é a alta do preço dos alimentos que deve ocorrer no começo do próximo ano. A situação climática deve afetar de vez a produção agrícola, com menos ofertas tanto de grãos quanto dos bens que consumimos in natura, como legumes e hortaliças. Isso deve pressionar consideravelmente a inflação, e impactar mais as pessoas com menor renda na economia brasileira”.
Outro desafio, na avaliação de Campedelli, será “manter o bom ritmo de crescimento num cenário fiscal mais restritivo”. “Este ano o governo precisou alcançar uma meta de déficit de 1% do PIB, ao mesmo tempo que teve espaço para expandir os seus gastos, aumentando tanto no setor público quanto no privado o nível de emprego e renda na economia. Devido às novas regras fiscais, além da meta de déficit zero que Haddad definiu, temos um menor espaço para expansão dos gastos públicos, e a economia vai depender quase que totalmente do setor privado para crescer. Caso não ocorra um bom nível de investimento público, o ritmo de crescimento econômico não deve ser o mesmo”.
Para ele, “a receita de uma economia crescendo pautada em consumo e alta das commodities não deve ser o suficiente para manter o atual ritmo econômico”, o que demandará criatividade do governo para manter os bons indicadores.
Para saber mais sobre o assunto, assista à entrevista do jornalista Luís Nassif para o ICL Em Detalhes, de 22/12/23, no vídeo abaixo:
Redação ICL Economia
Com informações do G1, ICL Notícias e Folha de S.Paulo