Em um país democrático, o Orçamento público deve ser administrado de forma transparente, mas no Brasil de hoje isso tem sido bem diferente. Os parlamentares têm tido um poder sem precedentes sobre os recursos da União por meio de emendas. Deputados e senadores é que decidem como serão empregados, neste ano, 24,57% do total de gastos livres (a fatia do Orçamento que pode ser manejada), ou seja, as despesas em que o Executivo tem poder de escolha, como investimentos e manutenção da máquina pública em geral. Para se ter ideia, em 2014, o Congresso controlava apenas 4% dessa fatia do Orçamento.
Esse avanço do Congresso sobre o Orçamento público é feito com anuência do governo Bolsonaro, como forma de barganha política para conseguir apoio dos parlamentares em seus projetos e em seus planos de reeleição.
A situação sobre o orçamento público chegou a um ponto tão absurdo que um quarto da parcela que o governo pode manejar no Orçamento, depois de retirados os gastos obrigatórios de salários e aposentadorias, é decidido individualmente pelos parlamentares, sem qualquer planejamento ou estratégia de custo-benefício à população.
Em reportagem de O Globo, o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Helio Tollini, explica que tudo é feito em cima dos pedidos das bases eleitorais, sem uma lógica de política pública. Há emendas individuais e de bancada, que seguem critérios equânimes de distribuição e de transparência na divulgação.
No governo Bolsonaro ganhou forma outro tipo de emenda, a de relator. Ela não segue qualquer critério objetivo de distribuição e, até pouco tempo, também não se sabiam os beneficiados com os recursos — por isso, ganhou o nome de orçamento secreto. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os beneficiários dessas emendas passaram a ser divulgados.
No início de julho, o Congresso indicou R$ 6,1 bilhões em emendas de relator (orçamento secreto) em apenas duas semanas, no momento em que o governo estava pressionado pela votação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Eleitoral e pela abertura da (CPI) Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Ministério da Educação. Neste ano, as emendas de relator já somam R$ 16,5 bilhões.
Outra reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que o Congresso articulou uma manobra para permitir obras de pavimentação custeadas por emendas parlamentares durante a campanha eleitoral. A reportagem indica que foi driblada uma regra que impediria repasses a quase 50 cidades em 20 estados, incluindo capitais como Maceió (AL) e Goiânia (GO).
Esses municípios tinham até 12 de abril para aprovar um Plano de Mobilidade Urbana. Em caso de descumprimento, não poderiam mais receber recursos federais para obras – apenas dinheiro para auxiliar no desenvolvimento do projeto urbano. Esse prazo, segundo a reportagem, está numa lei de 2012 e vinha sendo prorrogado nos últimos anos. Mas os parlamentares aprovaram um dispositivo para que essa proibição não tenha validade para emendas neste ano.
Para liberar os repasses a municípios em ano eleitoral, o Congresso aprovou, sem alarde, um projeto que altera a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2022 para que, mesmo descumprindo a lei de mobilidade urbana, aqueles municípios possam receber emendas neste ano. O projeto ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
A medida deverá beneficiar majoritariamente municípios que são base eleitoral de aliados do governo e da cúpula do Congresso, como Alagoas, do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP); Amapá, do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil); e Roraima, do governador Antônio Denarium (PP).
Não existe paralelo no mundo de controle do Orçamento público como é praticado no Brasil
Sobre as famigeradas emendas parlamentares (ou secretas), Tollini explica que elas “são uma excrescência” e as do relator só existem no Brasil. “Aqui são mais de nove mil emendas aprovadas no ano. Isso não existe em nenhuma parte do mundo. Não existe paralelo”, critica.
Ele destaca que, nos outros países, as emendas, quando existem, terminam quando o Poder Legislativo aprova o Orçamento. Aqui, o relator continua dando as cartas durante a sua execução. No Brasil, ainda existe uma “reserva” do Orçamento para emendas.
A proposta sai do Executivo já com um espaço destinado para deputados e senadores — que não precisam, sequer, arcar com o ônus de fazer escolhas e cortes.
Em países vizinhos, como Chile e Colômbia, os parlamentos não têm poder nem margem de manobra para dispor de recursos públicos sem prestar contas.
Os congressistas chilenos, por exemplo, não podem autorizar despesas sem o aval do presidente, e esse esquema, que vigora desde 1925, provoca tensão entre os poderes. O termo “emenda parlamentar” não existe por lá.
Especialistas no tema, ouvidos pelo O Globo, explicam que a responsabilidade fiscal da execução do orçamento chileno é do Ministério da Fazenda e existem vários mecanismos de controle e monitoramento sobre como se gastam os recursos. Obviamente, há casos de corrupção. Muitos deles foram denunciados nas manifestações de 2019, mas nada que possa ser comparado ao que acontece no Brasil.
Na Colômbia, a lei do orçamento é redigida pelo Executivo e o parlamento tem poucos dias para aprová-la. Na grande maioria dos casos, os parlamentares colombianos aprovam o texto exatamente como é enviado pelo presidente.
Nos Estados Unidos, onde há um instrumento parecido com as emendas, as alterações equivalem a 2,4% dos gastos livres.
Redação ICL Economia
Com informações de O Globo, Folha de S.Paulo e agências