Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
A independência do Banco Central. A grande polêmica dos últimos dias tem sido a independência do Banco Central. O presidente Lula reclamou do alto nível da taxa de juros no país e da falta de intenção do COPOM em reduzir a taxa Selic. Tal fala levou a uma série de críticas dos analistas de mercado e das grandes vozes da imprensa, que defendem com unhas e dentes a autonomia da autoridade monetária brasileira. Mas, o que de fato é a independência do Banco Central?
A independência do Banco Central é uma tese que vem dos anos 1980, que fala que os agentes precisam acreditar que o Banco Central deve ter a maior credibilidade possível para que a política monetária de fato atue para atenuar a inflação. Então a melhor maneira de se obter tal credibilidade é que a autoridade monetária do país seja separada do poder executivo. Existem inclusive vários modelos possíveis de independência do Banco Central, e uma das primeiras mentiras que ouvimos por aí é que apenas no governo Bolsonaro, após aprovadas as novas regras de funcionamento do Banco Central, que este se tornou independente.
Na realidade foi adotado um outro modelo de independência, o Banco Central já era independente antes dessa lei, pois o poder executivo só tinha uma única função, a de indicar a presidência do Banco Central. A autoridade monetária escolhida sempre teve as ferramentas e a liberdade de atuar da maneira que deseja para controlar a inflação sem interferência do poder executivo. O que ocorreu foi uma mudança em relação ao tempo de mandato do presidente do Banco Central, que agora começa no meio do mandato do presidente do executivo brasileiro.
Então a única coisa que mudou de fato é que o presidente eleito não pode mais escolher o presidente do Banco Central em seu começo de mandato, o que pode atrapalhar consideravelmente a condução da política econômica do governo. Além disso, com as novas regras de independência do Banco Central, o mandatário do cargo precisa ter certa atitude que deixe ele longe da “política”. Ele não pode demonstrar afinidade por algum dos candidatos ou fazer parte da vida do poder executivo. Ele deve ser uma figura neutra, pois, seja qual for o mandatário do executivo, sua atitude deve ser sempre a mesma, um combate implacável à alta inflacionária.
O grande problema é que Roberto Campos Neto não seguiu as próprias regras impostas pela ortodoxia econômica, o que a grande imprensa costuma chamar de “atuação técnica”. Primeiro que este fez parte da vida do executivo durante quase todo o governo Bolsonaro, com reuniões com a equipe econômica e fazendo parte inclusive do grupo de WhatsApp dos ministros de Bolsonaro. Além disso, fez campanha, votando inclusive com as cores do candidato da situação. Isso tudo vai contra as regras definidas pela própria ortodoxia quando se trata de um presidente do Banco Central. Por fim, a coisa mais importante para um bom presidente do Banco Central segundo a teoria de independência do Banco Central é que ele consiga controlar a inflação dentro da meta estipulada, e Roberto Campos Neto não conseguiu por dois anos seguidos tal objetivo. Então pela própria métrica ortodoxa ele é uma pessoa inepta ao cargo.
Mas para além dessa questão, temos o conceito de independência do Banco Central. É quase que uma tentativa de transformar o Banco Central num quarto poder, equivalente ao executivo, legislativo e judiciário. Com toda a independência que todos estes possuem. É basicamente fazer do sistema financeiro um poder a parte da sociedade, sendo que eles escolhem como vai atuar a política monetária desse país e sem nenhuma participação ou crítica possível do resto dos cidadãos do país.
O modelo brasileiro é inspirado no modelo do Federal Reserve dos Estados Unidos. Porém, existe uma diferença grande entre as instituições. Enquanto no primeiro caso, as mudanças da taxa de juros levam em conta a inflação, o nível de atividade econômica e de desemprego da economia, no segundo caso, o único objetivo é controlar a inflação.
Ou seja, o Banco Central brasileiro independente só serve para uma coisa, controlar a alta dos preços mesmo que isso custe uma recessão econômica ou um desemprego acima de 10%. A inflação é o único vilão, e deve ser combatido às custas do resto da economia. É quase como tratar um problema de gripe com medicamentos quimioterápicos. Um grande exagero realizado e com alto potencial de dano para a sociedade como um todo.
Então Lula e o resto da sociedade civil tem todo o direito de criticar Roberto Campos Neto e o modelo atual de Banco Central independente. Ninguém está imune às críticas, e caso a população ache errado tal atitude, deve reclamar com razão do caso. Os interessados em tal política vão sempre defender tal situação, pois ganham muito com tal atuação do COPOM, e sempre vão vender essa visão como técnica e a única possível. Mas uma parcela significativa de economistas estão aqui para defender uma visão diferente, e tentar mostrar que a tal atitude técnica não é a única possível.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira