Artigo: o que é o teto de gastos?

O teto de gastos só é visto com bons olhos pela Faria Lima por trazer um verdadeiro sucateamento do serviço público brasileiro, e este é um desejo do mercado, que gostaria de ter para si o fornecimento destes serviços sem a disputa com o governo federal
29 de novembro de 2022

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

A grande expressão dita nas últimas semanas em todo o noticiário econômico nacional é Teto de Gastos. O conceito é colocado como um consenso por todo o mainstream como algo essencial para a confiança na economia brasileira e como uma das mais importantes regras já criadas para a condução econômica. Tanto que qualquer tentativa de se gastar acima do teto, como é proposto pelo futuro governo Lula, é tida como fonte de inflação e geradora de riscos econômicos profundos. Mas o que é o chamado Teto de Gastos? Uma explicação sobre seu funcionamento cruel é necessária para entender a defesa tão grande dessa ferramenta pelo mercado financeiro e os analistas ortodoxos.

O teto de gastos é uma regra, entre outras, que define como o orçamento pode ser conduzido pelo governo. Segundo sua definição, não é possível expandir os gastos públicos acima da inflação prevista do ano anterior, ou seja, o orçamento deve ser ajustado somente para manter seu valor real, sem nenhum aumento real. Isso vale somente para os gastos primários, ou seja, os gastos com juros e pagamento da dívida pública não entram dentro do teto, não existindo regra formal para a expansão deste tipo de gastos. O teto, portanto, só limita os gastos que são feitos na economia real, com compra de equipamentos, matéria-prima, pagamento de salários etc.

O primeiro grande problema do teto de gastos está justamente neste limite de elevação da inflação. Existem alguns gastos que naturalmente sobem acima da inflação todo ano no orçamento brasileiro, e o mais custoso entre todos, são os gastos com a previdência social, que sempre tem alta acima da inflação. Não é possível impedir que as pessoas se aposentem, e mesmo só reajustando as pensões e as aposentadorias pela inflação passada, a entrada de cada vez mais de pessoas na previdência faz com que, naturalmente, tenhamos uma elevação desses gastos em porcentagem bem acima da inflação.

Isso já cria um problema para os demais gastos, pois uma vez que o maior deles vai elevar acima da inflação, os demais vão ter que sofrer cortes para se ajustar às regras definidas dentro do teto. Isso significa que, para os gastos em geral se adequarem à regra, cortes serão necessários em todas as demais áreas, e isso inclui saúde, educação, investimento em infraestrutura, habitação etc. Então sobra muito pouco do orçamento para as estas áreas, o que gera um verdadeiro conflito entre as diversas pastas para saber quem vai perder menos recursos para tocar seu funcionamento

Aí temos o segundo grande problema. O orçamento agora virou um poderoso instrumento de barganha política. Não é à toa que o orçamento secreto foi criado, pois isso garante ao Congresso que as emendas parlamentares, tão importante para a reeleição de parte considerável dos deputados, fique inalterada. E sabendo do tamanho do poder que o Congresso Nacional conseguiu obter no último ano, não fica difícil imaginar que eles iriam conseguir garantir que seus gastos se mantivessem inalterados.

Então temos boa parte do orçamento comprometido, e o resto é insuficiente para conseguir manter o básico do funcionamento das diferentes pastas. Por isso que, no governo Bolsonaro, o teto de gastos foi extrapolado tantas vezes. Sem romper o teto, a máquina pública fica completamente inviável, e não faltam exemplos para ver como ocorreu um sucateamento do setor público desde o começo do teto. As universidades públicas estão cada vez mais sucateadas, sempre correndo o risco de não ter recursos para finalizar o ano. O dinheiro para as obras de infraestrutura basicamente não existe, e só são feitas agora via Parceria Público Privado (as chamadas PPPs), pois orçamento próprio do governo para realizar este tipo de investimento não existe. Faltam recursos para compras de remédios básicos nos postos de

saúde e os programas habitacionais estão cada vez mais voltados aos mais ricos, pois é inviável dar crédito aos mais pobres.

O teto de gastos criou uma verdadeira guerra no orçamento, para ver quem consegue manter pelo menos o mínimo para conseguir o básico de funcionamento das pastas ministeriais. Além disso, gerou um aumento do poder político de quem pode votar e garantir a aprovação do Congresso. O teto de gastos foi desenhado para durar 20 anos, mas nos estudos contrários mostrados em 2016, já era sabido que em 2020 o orçamento brasileiro iria sofrer graves problemas com a imposição desta regra.

Além disso, já existem regras suficientes sobre o orçamento federal. A LDO já garante a discussão ampla de como vai funcionar o orçamento brasileiro em um ano, além de que a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Regra de Ouro garantem que os gastos não sejam feitos de maneira irresponsável e de forma a não ter nenhuma contrapartida fiscal sobre como será financiado algum programa. Nenhum país do mundo fez uma regra tão rígida de contenção de gastos e com previsão tão longa, e aqui já ficou claro que não deu certo tal aventura.

Portanto, o teto de gastos mais prejudicou do que trouxe benefícios à economia brasileira desde sua implementação. Além disso, impede qualquer tentativa de realizar uma política econômica mais progressista em nome de um tecnicismo que só existe dentro das redações dos jornais econômicos mainstream. O teto de gastos só é visto com bons olhos pela Faria Lima por trazer um verdadeiro sucateamento do serviço público brasileiro, e este é um desejo do mercado, que gostaria de ter para si o fornecimento destes serviços sem a disputa com o governo federal. O teto de gastos, portanto, só serve como ferramenta do desmonte da estrutura pública brasileira.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

 

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