População não sente efeitos da alta do PIB porque Índice de Miséria segue aumentando no Brasil

Não há uma política de valorização do salário mínimo e há uma piora na distribuição de renda, com o aumento da fome
2 de setembro de 2022

A economia brasileira cresceu 1,2% no segundo trimestre de 2022 em relação ao trimestre anterior, mas o brasileiro não sete os efeitos porque o Índice de Miséria segue aumentando no país. Na comparação anual, a alta do PIB (Produto Interno Bruto) foi de 3,2%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quinta-feira (1). O bom desempenho foi generalizado entre os setores, com altas registradas na indústria (2,2%), serviços (1,3%) e agropecuária (0,5%), sempre em relação ao trimestre anterior. O PIB está crescendo. Ainda assim, a sensação de mal-estar com relação à economia persiste entre os brasileiros. Essa não é apenas uma impressão, já que o indicador para medir essa sensação, o chamado “Índice de Miséria”, está aumentando. 

A pesquisa do Índice de Miséria aponta, por exemplo, que a renda dos 20% mais pobres caiu de R$ 244,50 em 2020 para R$ 187,50 per capita em 2021, perda de 23,3%, percentual bem mais severo que a média geral de 7% no mundo. Frente a 2014, o melhor momento da renda dessas famílias, a redução no poder de compra foi de 27,3%. Por outro lado, a sondagem aponta que os ganhos dos 20% mais ricos representam 21,1 vezes os dos 20% mais pobres. Em 2020, eram 16,9 vezes.

Na reportagem publicada pela BBC, o professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), João Saboia, explica que o Índice de Miséria é uma boa forma de entender o mal-estar dos brasileiros com a economia.

Tradicionalmente, o Índice de Miséria é calculado levando em conta dois fatores que têm muito mais peso que o PIB no bem-estar das pessoas: a inflação e a taxa de desemprego.

Mas Saboia, junto ao economista João Hallak, do Corecon-RJ (Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro), desenvolveu uma nova versão do índice levando em conta quatro indicadores:

• inflação;
• taxa de subutilização do mercado de trabalho — que além do desemprego, considera quem está trabalhando menos horas do que gostaria, e quem poderia trabalhar, mas não está procurando emprego por algum motivo;
• rendimento médio da população;
•  taxa de inadimplência.

A partir daí, os economistas chegam num número que varia de 0 a 100. Quanto mais alto, maior o mal-estar econômico da população.

No segundo trimestre deste ano, o índice estava em 75,9, quarto pior resultado registrado pelo indicador desde 2012, início da série histórica. E muito próximo do recorde de 80,9, registrado no quarto trimestre de 2021.

Para se ter uma comparação, no quarto trimestre de 2019, antes do início da pandemia, o Índice de Miséria estava em 40,5. Ao fim de 2014, antes da crise que se abateria sobre o país no ano seguinte, o indicador chegou à sua mínima: 14,7.

Em um país com recordes no número de pessoas endividadas, informalidade elevada e a inflação dos alimentos pressionando os mais pobres, que estão com a renda estaganada, é de ser esperar  que as pessoas estejam se sentindo mal em termos de bem-estar econômico. Pelo menos uma grande parte da população.


Combustíveis ajudaram na queda da inflação em julho, mas população mais pobre foi pressionada pelo preço dos alimentos, contribuindo para aumento do Índice de Miséria

Índice de Miséria, Auxílio Caminhoneiro, preço do diesel, preço da gasolina

Crédito: Envato

Ao reduzir os impostos para combustíveis, o governo federal conseguiu diminuir a inflação em julho. Mas isso é pouco sentido pela parcela mais pobre da população por dois motivos: a persistência da inflação elevada há muitos meses e a alta dos preços dos alimentos.

Em julho, mesmo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em queda de 0,68% no mês, a inflação acumulada em 12 meses seguia acima dos 10% e a alta dos alimentos chegou a quase 15%, com itens básicos como batata (67%), leite (66%) e café (58%) com variações de preços ainda mais significativas no período de um ano.

Com a inflação corroendo a renda das famílias, elas ficaram menos capazes de honrar compromissos financeiros. Com isso, tanto o percentual de famílias endividadas (78%), como o de famílias com dívidas em atraso (29%) estão em nível recorde, segundo os dados mais recentes da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor).

Saboia cita ainda o avanço do número de trabalhadores informais no mercado de trabalho. “Há uma certa badalação por parte do governo, dizendo que o mercado de trabalho está indo muito bem. Mas muitos dos empregos gerados são informais. Isso por um lado é bom, pois a taxa de desemprego está menor e as pessoas estão conseguindo de alguma maneira serem absorvidas no mercado de trabalho, mas muitas delas estão sendo absorvidas de maneira precária”, diz o professor da UFRJ para a reportagem da BBC.

Mais economistas destacam ainda a fraqueza da renda, que apesar de uma ligeira melhora em julho, segue muito próxima do patamar de dez anos atrás.

O recente aumento do emprego está associado a uma renda baixa, corroída pela inflação de 2021 e do primeiro semestre de 2022. Num patamar de R$ 2.700,00,  a renda média dos trabalhadores brasileiros é similar à de dez anos atrás, ela está praticamente estagnada.

Tudo isso tem impacto no bem-estar das pessoas, porque a população continua crescendo e os novos postos de trabalho que estão sendo gerados são de baixa renda. Além disso, não há uma política de valorização do salário mínimo e há uma piora na distribuição de renda. Então é um crescimento econômico que não atinge toda a população, o que fica claro com o aumento da fome.


Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias

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