Banco Central não cumpre sua função social de fomentar o emprego ao manter taxa Selic em 13,75% ao ano, diz economista Juliane Furno

Entrevistada no ICL Notícias, especialista disse que função do BC não é somente estabilizar a inflação do Brasil, mas também fomentar o pleno emprego. Ao manter Selic no patamar atual, BC contribui não só para não fomentar emprego, mas para "aprofundar o desemprego"
26 de junho de 2023

O Banco Central não tem apenas como função agir para estabilizar a inflação do Brasil. A autoridade monetária também tem uma função social, que é fomentar o pleno emprego. Segundo Juliane Furno, doutora em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), ao manter a taxa Selic em 13,75% ao ano, a autoridade monetária brasileira contribuiu para aprofundar o desemprego.

“O BC tem ao menos duas funções: garantir a estabilidade da moeda e o pleno emprego e, ao manter a taxa de juros em 13,75% em período de baixo crescimento econômico e de elevado desemprego, subemprego, de tração das principais atividades econômicas, ele contribui não só para não gerar o pleno emprego como para aprofundar o desemprego. Então, não está cumprindo a sua missão e ele precisa calibrar a taxa de juros”, disse a economista, que foi entrevistada no ICL Notícias, live diária transmitida via redes sociais, na última sexta-feira (23).

Por essa razão, ela avalia como acertada a ação do deputado federal Lindbergh Farias (PT), que disse em sua rede oficial Twitter, na semana passada, ter protocolado pedido de afastamento do presidente do BC, Roberto Campos Neto, por descumprimento dos objetivos do BC. No tuíte, o parlamentar petista alegou que, “ao manter a taxa de juros em 13,75%, Campos Neto sabota objetivos do BC de crescimento econômico e fomento ao pleno emprego”.

“O tuíte do Lindbergh traz duas dimensões importantes: a primeira delas é propor uma ação mais no campo da ofensiva. Me parece que o governo está numa posição de defensiva política, usando os espaços para fazer uma crítica à atuação do Banco Central. Essa crítica tem repercutido, tem sido importante do ponto de vista para arregimentar não só organizações populares e empresariais, mas é muito importante também para criar na sociedade um debate e para desgastar essa ideia que não tem mais nem sustentação na base econômica liberal. Aqui [tuíte do Lindbergh] tem também o questionamento dos objetivos do BC. Então, o Lindbergh acerta, na minha avaliação, do ponto de vista da ação”, pontuou.

Para Juliane, o governo não pode mais ficar em uma posição passiva de só criticar o BC, pois já ficou claro que Campos Neto e a autoridade monetária no geral “agem de forma política”.

Na semana passada, em entrevista ao programa Bom Dia 247, Lindbergh, que também é presidente da Frente Parlamentar Contra os Juros Abusivos, acusou o presidente do Banco Central de descumprir os objetivos da instituição e pede ao CMN (Conselho Monetária Nacional) que avalie a possibilidade de solicitar ao Senado Federal a exoneração de Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “O nosso movimento, ao apresentar um requerimento ao Conselho Monetário Nacional, indica que nossa paciência está chegando ao fim. Precisamos arrumar os votos para afastá-lo”, acrescenta Lindbergh.

Retórica do Banco Central de que “faz mais pelo pobre” é totalmente perversa, diz economista

Questionada pelo economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, a respeito do argumento do BC, de que a decisão de manter a taxa Selic alta é para controlar a inflação e que faz isso pelo povo pobre, Juliane enfatizou que essa é uma “retórica perversa”.

Além disso, a economista pontuou que o argumento do BC é destituído de análise profunda, de história. “No governo Dilma 1 (2011-2014), a inflação teve um aumento e, se você decompor [o indicador], vai ver que o que estava pressionando mais não eram mercadorias, mas serviços, especialmente serviços pessoais, como empregada doméstica, manicure, encanador. Tanto que parte das reivindicações de 2013 [Jornadas de Junho] tinham a ver com ‘Dilma, devolva a minha empregada!'”, lembrou.

Segundo Juliane, a inflação de serviços não prejudica os mais pobres. Pelo contrário, ela transfere renda, “porque quem presta esse tipo de serviço são os mais pobres” e quem consome é a classe média.

“A inflação é um dos lados de um cálculo. O outro [lado] significa poder de compra. Se a inflação está maior, mas os salários estão crescendo mais do que a inflação, então ela não é necessariamente um problema. Agora, ela pode estar baixa e os salários ainda mais baixos. Nesse sentido, o poder de compra está reduzido. Mas há outras coisas que precisam ser olhadas e o mais importante é olhar a natureza da inflação para pensar que remédio eu vou usar. inflação é uma doença ocasionada por vários fatores e o BC não faz um diagnóstico. Ele sempre diz que a inflação é resultado do aumento de demanda da sociedade. alguém acredita que isso faz sentido?”, questionou.

Juliane lembrou ainda que a economia nem voltou a ter o PIB (Produto Interno Bruto) per capita de 2014. Sendo assim, ao contrário do que argumenta o BC, de que a inflação de demanda é alta no país, não faz sentido, pois “a pandemia deprimiu muito os salários, a renda” e há a questão do desemprego.

“Então, qual é a natureza dessa inflação? Ela é de custos. Ela é basicamente o preço dos alimentos que são commodities. Aumentar os juros vai fazer chover na lavoura? Vai fazer os países demandarem menos desses produtos? Nesse sentido, aumentar os juros, resfriar a economia, encarecer o custo do crédito ajuda em quê? Em nada”, pontuou.

Na avaliação da economista, que está lançando o livro “Economia para transformação social – pequeno manual para mudar o mundo”, com Pedro Rossi, o Banco Central deveria usar outras ferramentas, que não só aumentar ou baixas os juros.

Quando o BC eleva a taxa Selic, de acordo com Juliane, ele prejudica principalmente os mais pobres, pois deprime a renda e prejudica o aumento do emprego.

Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias

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