Ao mudar Carf, Bolsonaro abriu mão de receita que beneficiaria 41 milhões de famílias

Perda calculada pelo Sindifisco se deu pelo fim do chamado voto de qualidade, que beneficiava o poder público em ações envolvendo grandes devedores da Receita. O restabelecimento do voto está em medida provisória do governo Lula
3 de fevereiro de 2023

Para beneficiar os grandes devedores de impostos, Bolsonaro adotou medidas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e abriu mão de receitas que poderiam beneficiar 41 milhões de famílias somente em 2022. A perda, calculada pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), deve-se à extinção, em 2020, do chamado voto de qualidade no Carf.

Trata-se de um mecanismo que beneficiava o poder público no desempate em disputas tributárias na instância administrativa envolvendo grandes devedores da Receita. Essa mudança, assinada em abril de 2020, contrariou pareceres do Ministério da Justiça, da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional.

Segundo o Sindifisco, com base em dados da própria Receita, a alteração causou um dano de R$ 25,3 bilhões aos cofres públicos apenas em 2022. Um montante equivalente aos R$ 29 bilhões que, potencialmente, podem ser adicionados ao erário pela vitória do Fisco em disputas no Carf relativas ao mesmo ano. E que representa o pagamento de 41 milhões de Bolsas Família. Ou seja, benefícios para 41 milhões de famílias vulneráveis ou mesmo a construção de mais de 30 mil hospitais de campanha.

Processos somam R$ 1 trilhão em recursos para a Receita

Em novembro a fila de espera para ingresso no então Auxílio Brasil era de 127,9 mil famílias, segundo o Ministério da Cidadania. Desde dezembro de 2021, era o sétimo mês em que o programa apresentava fila, em um contexto de volta da fome, que assola 33 milhões de pessoas no Brasil.

Em uma de suas primeiras medidas adotadas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, publicou a Medida Provisória (MP) 1.160, que alterando a Lei 13.988, assinada por Jair Bolsonaro. Com isso trouxe de volta o voto de qualidade do presidente das sessões de julgamento em caso de empate. A medida provisória deve ser apreciada em comissão mista da Câmara dos Deputados e segue para votação nas Casas legislativas. Por isso, é alvo de duras críticas do empresariado.

“Essa matéria é de suma importância, pois o empate, e por consequência a necessidade do voto de qualidade, acontece justamente nos processos que envolvem as maiores cifras financeiras. Dentre 93 mil processos no Carf, 162 representam receita de R$ 453 bilhões, dos mais de R$ 1 trilhão que temos em estoque aguardando julgamento. O voto de qualidade não prejudica o bom contribuinte, sobretudo o pequeno. Ao contrário, beneficia a ampla maioria da população por meio de uma revisão administrativa mais segura e técnica”, afirma o presidente do Sindifisco, Isac Falcão.

Ações para tributação mais justa

Para o dirigente, os julgamentos do Carf são bem fundamentados e, em sua ampla maioria, não sofriam revisão judicial quando o voto de qualidade estava em vigor. Segundo ele, isso demonstra que a volta do voto de qualidade não aumenta a judicialização, como argumentam os críticos.

E que a medida do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é apenas uma das ações necessárias para uma tributação mais justa. Ou seja, onerando mais os contribuintes com maior capacidade econômica e, por consequência, menos os de menor capacidade.

Lista de alto risco para a administração federal

“Dar aos autuados a última palavra nas disputas tributárias do Carf fez parte de um movimento que ganhou ainda mais espaço no governo passado, de subtributação dos grandes contribuintes. A queda de teses históricas, como no entendimento sobre a amortização do ágio na base de cálculo do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), acompanha essa tendência, assim como a elaboração de projetos de Lei e o esvaziamento da Receita Federal. A volta do voto de qualidade é um dos passos na direção da retomada justa da tributação, tendo como foco os autuados com maior capacidade contributiva”, completou Falcão.

O Sindifisco Nacional criou a Comissão Independente de Reforma do Contencioso Tributário, formada por auditores fiscais, tributaristas, economistas e cientistas políticos. O grupo discute o tema de forma abrangente, trazendo subsídios para o debate do projeto no Congresso.

Os impactos das mudanças no Carf foram incluídos e uma lista de itens de de alto risco para a administração federal entregue à equipe de transição do governo Lula.

Rede Brasil Atual

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