A toque de caixa, Câmara dos Deputados aprova o marco temporal, sentenciando o genocídio dos povos indígenas

Em entrevista ao ICL Notícias, jurista Carlos Marés acredita que PL não passa no Senado nem no STF. Na avaliação dele, matéria é inconstitucional e vai na contramão do direito internacional
31 de maio de 2023

A Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite (30) o Projeto de Lei (PL) 490, que legitima o chamado marco temporal. A tese exclui a possibilidade de demarcação de terras indígenas daqueles que não estavam nelas em 1988. Na prática, abre espaço para avanços do agronegócio e da devastação sobre territórios originários. “Esse PL pretende matar a mulher mais velha da humanidade, a Terra”, defendeu a liderança indígena, deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG). Contudo, a visão dos indígenas que se levantaram durante todo o dia pelo país foi ignorada.

O governo, em bloco, votou contrário à tese, bem como a minoria e outros blocos de partidos que englobam PT, PSOL, Rede, PCdoB e PDT. Liberaram a bancada MDB e PSB. No fim, o placar ficou em 283 pelo sim e 155 pelo não. Houve uma abstenção. A matéria agora será encaminhada ao Senado Federal, onde não deverá contar com tramitação acelerada, como na Câmara.

“Este é o projeto da morte, do atraso e do retrocesso. É o lucro sobre a vida humana. Nosso povo indígena já foi vergonhosamente explorado, massacrado, escravizado e assassinado. Esse PL quer acabar de novo com os direitos, promover a injustiça e legalizar a violência. É um crime. Esse projeto vai aumentar o desmatamento e comprometerá metas climáticas em nível global”, disse a deputada Juliana Cardoso (PT-SP), que também é indígena.

Enquanto as vozes dos povos originários ecoou pela Câmara, parlamentares da bancada ruralista, parte da extrema direita, outra do centrão, vaiavam os que defendiam os povos da floresta. “Esse projeto é uma vergonha. Pergunto para a bancada ruralista que me vaia, se topam um marco temporal para os grileiros. De um lado, tem o interesse no desmatamento, de destruir as florestas, da poluição nos nossos rios, do garimpo em terras indígenas. Do outro, de quem tem compromisso com o meio ambiente e com as próximas gerações”, disse o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP).

Para jurista Carlos Marés, aprovação do marco temporal sacramenta o “genocídio” dos povos indígenas

marco temporal

Jurista Carlos Marés. Crédito: Reprodução ICL Notícias

Durante participação na edição desta quarta-feira (31), no ICL Notícias, programa diário veiculado pelo YouTube, o jurista e professor de direito Carlos Marés de Souza Filho  disse que resta agora esperar pela desaprovação do PL no Senado e o julgamento que será feito no STF (Supremo Tribunal Federal), pela constitucionalidade ou não do marco temporal.

Na avaliação dele, o texto aprovado a toque de caixa pela Câmara é inconstitucional, “porque limita direitos que a Constituição não limita”. “A Constituição dá direitos aos povos indígenas, mas não só. [Esses direitos] também são garantidos pela convenção da ONU [Organização das Nações Unidas], da OEA [Organização dos Estados Americanos], a convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho].”

Além disso, ele explicou que o marco temporal é limitador “porque, no fim das contas, deixa a critério do Estado escolher aqueles indígenas que já estavam no local. Quem estava no local em 1988? A discussão parece ser essa, que o marco temporal tem nome bonito para uma data para estabelecer esse direito, e a Constituição não põe data, a declaração da ONU não põe data, a convenção 169 não põe data. Então, a data para análise do direito indígena não consta da Constituição nem do direito internacional”, disse.

Marés explicou que a questão da terra é crucial para os indígenas para poderem existir como povo, grupo e/ou comunidade e, quando se sacramenta o fim desse direito, estabelece-se o genocídio.

“É impossível pensar que eles possam existir sem a terra devido a suas próprias características. A discussão [portanto] não é o dia que eles passam a ter direito, mas se eles têm direito. Por isso o marco temporal, quando estabelece um dia, está violando o direito de existir desses povos, porque um povo sem território, terra, sem lugar, não consegue continuar por muito tempo e o nome disso é genocídio. Quando se busca o fim de uma comunidade, um povo, se comete genocídio. E é exatamente essa ideia de genocídio que passa pelo marco temporal”, definiu.

Mas ele acredita que tanto o Senado quanto o STF não vão seguir com o que foi determinado pela Câmara dos Deputados.

Pela tese aprovada ontem, só deverão ser reconhecidas as terras ocupadas pelos povos originários até o dia da promulgação da Constituição, no dia 5 de outubro de 1988. Entidades como o Ministério Público Federal (MPF) e até mesmo a ONU já criticaram a tese do PL.

Na sessão, Célia Xakriabá prosseguiu com as críticas ao PL. “Aqui aceleramos o conflito e o genocídio. Estamos dizendo que em 2019 foram 135 lideranças indígenas assassinadas. Semana que vem, faz um ano da morte de Dom e Bruno. Estamos aqui para dizer que são 15 projetos que pretendem, inclusive, abrir os povos indígenas isolados voluntariamente. Querem estuprar nosso território. Se vocês não estão sensibilizados, vamos morrer.”

Já a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), lembrou do aquecimento global e que os indígenas são aqueles que mais preservam as florestas em pé. “A Câmara dos Deputados envergonha o Brasil e o mundo. Todos se preocupam com essa matéria. Tem impactos nas gerações futuras. Vivemos uma emergência climática. Os povos indígenas são os maiores defensores do meio ambiente”, criticou.

Redação ICL Economia
Com informações da Rede Brasil Atual e do ICL Notícias

 

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