A conexão entre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhou novo capítulo. Coluna produzida pelo jornalista e comentarista do ICL Notícias Guilherme Amado para o site Metropóles, ontem (10), revela que o ex-mandatário teve reunião secreta com o presidente do BC no dia de uma reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em maio de 2022, quando houve aumento de um ponto percentual da taxa básica de juros (Selic).
O encontro, ocorrido no dia 4 de maio no gabinete presidencial, das 7h30 às 8h, não constava da agenda de nenhum dos dois.
A coluna soube do encontro por meio de um-email obtido com título “Agenda Confidencial do PR: 04/5/2022”, ao qual está anexado o documento “04_5_2022 Confidencial”. A mensagem foi enviada para Mauro César Cid, então ajudante de ordens da Presidência, às 20h56 do dia anterior ao encontro. O e-mail partiu da assessora Gianne Amorim P. Portugal, que trabalhava no gabinete adjunto de Agenda da Presidência.
O e-mail estava entre as milhares de mensagens que Cid esqueceu de deletar da conta que usou durante o período em que trabalhou na Presidência. As mensagens dele e de outros auxiliares de Bolsonaro foram enviadas à CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), que investiga os atos golpistas de 8 de Janeiro.
Segundo a coluna, a reunião do Copom começou menos de duas horas depois, às 9h37, segundo a ata do BC. Campos Neto e os outros integrantes do comitê encerraram o encontro e divulgaram a ata às 19h12. Por unanimidade, o colegiado decidiu elevar a taxa Selic em um ponto percentual: de 11,75% a 12,75%. Era o maior patamar em cinco anos.
Uma norma do próprio BC determina que integrantes do Copom devem respeitar um período de silêncio que se estende da quarta-feira da semana anterior àquela em que ocorre a reunião ordinária do colegiado até o momento da publicação da ata do encontro.
Durante esse período, os dirigentes não podem emitir declarações relacionadas ao Copom em discursos, entrevistas à imprensa e encontros com pessoas que possam ter interesse nas decisões do comitê. Naquele momento, Bolsonaro tinha como um dos principais flancos de sua campanha pela reeleição a pressão da inflação.
A ata do Copom divulgada depois daquela decisão afirmou que o ajuste para cima da Selic ocorreu levando-se em conta a inflação, que, segundo eles, seguia “surpreendendo negativamente”.
Eduardo Moreira diz que encontro entre Campos Neto e Bolsonaro é “escândalo” para o mercado financeiro
Procurado pela coluna, o Banco Central afirmou que “nenhum tema relativo ao Copom foi tratado durante o referido encontro”, e não revelou quais assuntos foram abordados no encontro.
Na resposta, o banco também disse que “as regras do período de silêncio do Copom não vedam reuniões com agentes públicos”.
A autarquia atribuiu a ausência da reunião na agenda pública de Campos Neto a uma “falha operacional”. O BC não explicou a razão de a reunião coincidentemente não constar da agenda pública de Bolsonaro.
Aprovada em 2021, a autonomia do Banco Central veda o presidente da República de interferir nas decisões do Copom. Um dos objetivos da lei é blindar a autarquia de pressões políticas, inclusive do Palácio do Planalto.
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, comentou o assunto na edição do ICL Notícias desta manhã (11). “Se não era proibida a reunião, por que não constava da agenda dos dois?”, questionou.
Na live diária transmitida via redes sociais, ele ainda comentou que a notícia do encontro é “inacreditável”, e lembrou que a autonomia do Banco Central, que ele é contrário, existe justamente para evitar esse tipo de influência. “Trabalhei muitos anos no mercado financeiro e vocês não têm noção do escândalo que é isso”, disse.
Isso porque, segundo Moreira, os bancos fazem operações todos os dias apostando quanto vai ser a taxa de juros no Brasil. “O maior mercado no mundo financeiro é o mercado de apostas na trajetória dos juros, porque é isso que define a economia. É muito maior do que o [mercado] de ações. É o mercado que gira muito mais dinheiro do que o de ações. O mercado de juros é o que faz os bancos multibilionários. Essa informação faz um banco em um dia. Por isso que tem que ter o período de silêncio”, explicou.
Moreira disse ter “uma pulga atrás da orelha”, pois, na sequência à reunião com Campos Neto, Bolsonaro teve outro encontro que não constava na agenda oficial: um café da manhã com o senador Flavio Bolsonaro, o filho zero um.
“O Flávio Bolsonaro, que é o articulador! Bolsonaro se reúne secretamente com o filho. O que será que ele falou com o filho na reunião? Será que ele guardou segredo e não contou para o filho [sobre a decisão do Copom]? Será que o filho não contou para ninguém? Por que essa reunião com o filho foi secreta?”, questionou o economista.
Campos Neto, que foi tesoureiro do Santander, foi alçado presidente do BC pelas mãos de Paulo Guedes, o ex-ministro da Economia e “posto Ipiranga” da gestão de Bolsonaro. Ele tem mandato à frente da autarquia até dezembro de 2024.
Alguns episódios mostraram a relação estreita de Campos Neto com Bolsonaro. O presidente do BC participava de um grupo de WhatsApp com bolsonaristas e, nas eleições, foi votar vestindo a camisa verde e amarela, uma marca dos seguidores do ex-presidente, deixando bem escancarado de que lado estava. A notícia da reunião é mais um elemento que comprova a influência do ex-mandatário sobre o chefe do BC.
Redação ICL Economia
Com informações do site Metrópoles e do ICL Notícias